quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A África Perante os Acordos de Parceria Económica


Quando os países desenvolvidos como a Grã-Bretanha e o Estados Unidos da América, ainda estavam em desenvolvimento, não implementaram nenhuma das políticas de livre comércio que actualmente preconizam. Seu avanço tecnológico foi garantido por políticas protecionistas.
Ha-Joon Chang, Prof. de Economia do Desenvolvimento na Univ. de Cambridge


Por coincidência, o I Fórum de Diálogo e Intercâmbio da Diáspora Guineense em Portugal, decorre na mesma data de um importante acontecimento, que muito tem a ver com a vida dos africanos em geral, e muito em particular com a questão das migrações, que é a II Cimeira União Europeia-África. Este facto, deu-me motivo para fazer uma abordagem das consequências que advirão para o continente africano, nomeadamente no domínio económico e consequentemente sobre os fluxos migratórios, com a aplicação da nova estratégia aprovada pelos Chefes de Estado e de Governo da União Europeia em Dezembro de 2005, com o título: " The EU and Africa: Towards a Strategic Partnership " ( A União Europeia e a África: Para uma Parceria Estratégica ), e que servirá de base para a elaboração de dois documentos, "A Estratégia Conjunta" e de "O Plano de Acção" que moldarão a nova parceria entre a União Europeia e a África, e que deverão ser aprovados nesta cimeira de Lisboa.

Com a presente cimeira a Europa pretende introduzir profundas alterações, na sua política de cooperação com o continente africano, nomeadamente pondo fim, à filosofia que a norteou até agora, a chamada "cooperação assimétrica", ""em que eram concedidos vantagens aos países que foram antigas colónias europeias, sem exigência de qualquer reciprocidade. Esta filosofia cujo melhor exemplo é a cooperação UE - Países ACP ( África, Caraíbas e Pacífico ), que vigora desde 1975 com a assinatura da 1ª Convenção de Lomé, verá o seu fim em 31 de Dezembro do corrente ano, conforme está previsto no Acordo de Cotonu assinado em Junho de 2000. De um modo geral, o que estes acordos preconizavam, era a facilitação de entrada dos produtos ACP no mercado europeu, através de isenções, ou reduções dos direitos aduaneiros, sem que o inverso, isto é as exportações europeias beneficiassem desse tratamento. Por isso se chama, de cooperação assimétrica. As referidas convenções dão um tratamento preferencial aos países menos avançados ( PMA), para os quais se abria totalmente o mercado da União Europeia, através do princípio " tudo menos armas ".

Pretendia-se desse modo, incrementar o comércio externo desses países, com todos os benefícios daí advenientes para o desenvolvimento económico e social. Embora se possam fazer algumas críticas a essa cooperação comercial, nomeadamente quanto à existência de barreiras não pautais como sejam a complexidade na condição da sua utilização, o protecionismo regulamentar ( certificação de origem, e sanitária ) e agrícola europeia, que impediram que os países ACP tirassem partido dessas vantagens, pode-se dizer, que continha alguns aspectos benéficos para as economias desses países. Infelizmente, apenas alguns países souberam ou puderam tirar partido dessa facilitação, como foi o caso das Ilhas Maurícias e da Costa do Marfim. Este aspecto, serviu de pretexto para pôr termo à política de preferência, já que no dizer da UE, o balanço de mais de trinta anos da existência das convenções UE - ACP, não é encorajador, e não faz sentido prosseguir nessa linha de cooperação. Com efeito, a quota de mercado europeu dos produtos dos países ACP, passou de 7% em 1975, para os actuais 3%. Um outro factor que serviu de pretexto para o fim desse tipo de cooperação, é o facto do tratamento preferencial dado aos países ACP, não se coadunarem com as regras da Organização Mundial do Comércio ( OMC ), e esta exigir o seu fim.

Encontradas as "razões" para decretar a morte da Convenção de Lomé ( Acordo de Cotonu ), a União Europeia propõe em sua substituição os Acordos de Parceria Económica ( APE ) a serem celebrados com as seis regiões de integração económica regional, dos países de África Caraíbas e Pacífico a saber: região das Caraíbas, região do Pacífico, e quatro regiões em África ( CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental + Mauritânia, CEMAC - Comunidade Económica e Monetária da África Central, SADC - Southern African Development Comunity e COMESA - Common Market of Eastern and Southern Africa ). Dos cinco pontos da agenda da II Cimeira UE - África, a saber 1) A Paz e a Segurança 2) A Democracia e os Direitos Humanos 3) O Comércio, as Infraestruturas e o Desenvolvimento 4) As Migrações 5) A Energia e as Alterações Climáticas, considero esta questão dos APE, a par da Democracia e Direitos Humanos, dos mais importantes, pelo impacto económico e social que irá ter no futuro do continente, e em particular nos países menos desenvolvidos. Ela será certamente abordada no ponto da agenda, Comércio, as Infraestruturas e o Desenvolvimento, e esperemos que os países africanos consigam se não a rejeição, pelo menos uma moratória na celebração dos referidos acordos, ou a inclusão de uma lista de produtos estratégicos a serem protegidos, e assim minimizar os efeitos nefastos dos APE nas nossas economias.

Mas o que são estes acordos de parceria económica, quais são os princípios que as norteiam e quais serão os impactos nos países africanos e concretamente para o nosso país a Guiné-Bissau? É isso que passaremos a analisar!

Os Acordos de Parceria Económica, baseiam-se no princípio do livre comércio, e têm caracter recíproco, isto é a abertura dos mercados africanos aos produtos europeus e recíprocamente a abertura do mercado europeu aos produtos africanos, em igualdade de circunstâncias. Trata-se no fundo, de pôr em prática, nos países em vias de desenvolvimento, um dos fundamentos do neoliberalismo, que desde os meados dos anos setenta do século XX, constitui a principal corrente do pensamento económico. Defende a União Europeia, sobretudo a Comissão, que desse modo, se criará nesses países um ambiente "virtuoso" que permitirá atraír investimentos, lutar contra a corrupção e a fuga de capitais. Se esses aspectos são importantes e indispensáveis ao desenvolvimento, a verdade é que os APE, têm o reverso da medalha, que são os impactos negativos sobre o tecido produtivo africano e consequentemente sobre o tecido social dos nossos países!

Vejamos alguns desses referidos impactos:

- impacto orçamental, devido ao desarmamento pautal, com fortes reduções e eliminação das taxas aduaneiras, que afectará os recursos dos países pobres, que têm nos direitos aduaneiros na importação o seu principal recurso financeiro;

- Impacto sobre a balança de transações correntes, provocando desequilíbrios cuja correcção, passará pela depreciação da moeda ou redução de gastos públicos;

- Impacto sobre o sector agrícola, pondo em causa a agricultura de subsistência, cuja existência e desenvolvimento, constituem o elemento-chave para o combate à pobreza, sobretudo em países predominantemente agrícolas;

- Impacto sobre o sector industrial, que poderá levar à desindustrialização, com o desaparecimento das pequenas e médias empresas, incapazes de competir com os produtos importados;

Quando o regime de livre comércio entrar em vigôr, a grande maioria dos países africanos não estará em condições de o suportar, devido às debilidades que as suas economias apresentam, nomeadamente nos domínios alimentar, de educação, de saúde, de infraestruturas, tecnológico e da poupança interna. Os problemas com que actualmente se debatem irão agravar-se por força do choque que o livre comércio irá produzir em todo o tecido económico e social desses países. A pobreza em vez de recuar, irá aumentar, devido ao desemprego, à falta de cuidados de saúde e de educação, e então, perante as horríveis condições de vida, assistir-se-á ao incremento dos fluxos migratórios em direcção à Europa. Estudos realizados pela CNUCED, pela FAO, pelo PNUD e pela CECA ( Comissão Económica para África) das Nações Unidas, apontam nesse sentido. Estamos, por conseguinte, perante uma política que pretendendo ter como objectivo central a erradicação da pobreza, como está consignado no artigo 1º do Acordo de Cotonu, acaba por ter resultados diametralmente opostos.

Os estudos mandados realizar pela Comissão Europeia, para avaliar os impactos dos APE,foram efectuados por país, isto é caso a caso, e sem dispôr de garantias sobre a seriedade desses estudos, pois não houve a supervisão de uma organização de reconhecida competência na matéria, como por exemplo a CNUCED ( Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento ). Por outro lado, é no mínimo, estranho que a Comissão não tenha uma avaliação de conjunto, sobre os efeitos do livre comércio. O estudo do impacto do APE na Guiné-Bissau, realizado pela empresa CESO - Consultores Internacionais em Julho de 2006, aponta, no caso de um desmantelamento total e imediato das barreiras aduaneiras, para uma perda de cerca de 40% de receitas no conjunto dos direitos aduaneiros, imposto especial de consumo, e imposto geral sobre vendas, que constituem o essencial da fiscalidade indirecta da Guiné Bissau. Recorde-se que a fiscalidade indirecta representa o grosso das receitas fiscais do país. Trata-se de um cenário quase catastrófico para o país, que se veria privado de uma parte significativa de receitas fiscais, com consequências nefastas, sobre o nível do fornecimento de bens e serviços públicos, já de si, insuficientes como o provam a incapacidade de o Estado pagar os salários e pensões da função pública, bem como a prestação de cuidados de saúde e educação. Se hoje a situação económico-financeira do país, já é de ruptura total, o cenário que nos espera no quadro da total liberalização do comércio, seria de catástrofe.

Como engodo, a Comissão Europeia, acena os países ACP, com financiamentos através do FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento, o instrumento financeiro da cooperação UE - ACP. É uma forma de pressão "suave" para constranger à assinatura dos APE, transformando a política de cooperação no princípio de "aid for trade" (ajuda por comércio). Trata-se de uma proposta desonesta, reconhecida por vários analistas económicos e políticos. A crítica mais contundente veio do seio da própria União Europeia, através de um relatório da Assembleia Nacional Francesa de 5 de Julho de 2006 sobre as negociações dos acordos de parceria económica, apresentado pelo deputado Jean-Claude Lefort. Pela importância e pertinência deste relatório, permito-me citar algumas passagens:

" ... se a Comissão persiste ( nas negociações dos APE ) a Europa cometerá um erro político, táctico, económico e geoestratégico.
Com efeito a questão que se coloca é: em que medida os APE ajudarão a África subsariana a atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio adoptadas pela ONU em Setembro de 2000? Em nada, sabendo-se que alguns desses objectivos não serão atingidos por alguns países senão daqui a um século, de acordo com o PNUD. Poderemos nós assumir a responsabilidade de conduzir a África, que albergará dentro de alguns anos, o maior número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia, para um caos ainda maior, sob a capa de respeitar as regras da OMC - Organização Mundial do Comércio"? "
Num outro passo do citado relatório da Assembleia Nacional Francesa, os deputados recomendam:
" ...o regime actual de acesso das exportações dos países ACP ao mercado europeu deve ser mantido e acompanhado de um grande programa de assistência técnica nos domínios sanitários e fitosanitários, e a modernização do aparelho produtivo desses países;
...a liberalização das trocas comerciais com a União Europeia só deve ter lugar após uma fase de consolidação das uniões económicas e aduaneiras de África, Caraíbas e Pacífico."

Várias outras vozes se têm levantado contra os APE, desde as ONG's, às igrejas e suas organizações, como por exemplo a Caritas, os sindicatos, e outras organizações da sociedade civil. Todos são unânimes quanto à extemporaneidade da aplicação do livre comércio, no actual estádio de desenvolvimento dos países africanos ( excepção feita à África do Sul ). Trata-se de uma competição desigual, e com regras de jogo viciadas! Viciadas, porque as políticas de subsídios agrícolas da PAC ( Política Agrícola Comum ) da UE, permite a exportação de produtos abaixo do preço real, isto é em regime de "dumping" o que inviabiliza qualquer concorrência africana; viciadas, porque o grau de desenvolvimento dos países europeus em relação à maioria dos países africanos, dão-lhes clara vantagem competitiva. Usando uma metáfora, é como um combate de "boxe" em que os oponentes fossem um peso-pluma e um peso pesado, o desfecho está à vista, pois é mais do que previsível.
Assim, tendo em consideração que:

- a obrigação de liberalizar as trocas comerciais, nomeadamente dos produtos agrícolas, representa um perigo para a agricultura africana, que é ainda arcaica e baseada essencialmente em trabalho manual;

- a abertura dos mercados africanos às exportações da UE, em regime de reciprocidade, é fictícia, já que os produtos europeus chegam aos mercados de África, a preços artificialmente baixos;

- o acesso aos mercados de exportação não beneficiarão os pequenos produtores africanos, que são a maioria;

- os preços de exportação para os mercados europeus tendem a baixar devido à degradação dos termos de troca, como se tem verificado ao longo das últimas décadas, anulando desse modo todas os eventuais benefícios;

- a eliminação ou redução de direitos aduaneiros, provocará uma redução drástica das receitas públicas dos Estados, com consequências graves na prestação de serviços sociais básicos, e na capacidade de investimento;

Os Acordos de Parceria Económica deverão ser rejeitados, ou pelo menos suspensas as negociações de modo a permitir um período de debate e análise dos impactos sobre as economias dos países ACP e muito em particular dos países africanos. Para tal, o papel da sociedade civil, e das suas organizações é indispensável! Todos teremos de levantar as nossas vozes para evitar o "afundamento" do nosso continente! O paradigma da cooperação entre a Europa e a África tem que mudar, mas a alternativa que nos é apresentada, criará uma dependência ainda maior! Não queremos uma recolonização de África, e por isso, os APE nos moldes em que nos são propostos deverão merecer a nossa rejeição! Caso contrário, espera-nos o agravamento da situação económica e social dos nossos países, e assim sendo só nos resta partir, fugindo da pobreza da fome e da doença, engrossando as correntes migratórias em busca da ilusão do "El Dorado" europeu!

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Trágico Caminho do "Eldorado Europeu"



Raro é o dia em que os meios de comunicação não noticiam a chegada ou a tentativa de chegada,‭ ‬de mais uma canoa apinhada de emigrantes‭ ‬às costas de um país europeu.‭ ‬As imagens chocam!Sobrelotando frágeis e precárias embarcações,‭ ‬chegam,‭ ‬quando chegam,‭ ‬num estado lastimável:‭ ‬desnutridos,‭ ‬desidratados,‭ ‬e doentes.‭ ‬Grande tem de ser a necessidade que leva estes nossos pobres irmãos a enfrentar tanto sofrimento e tamanha incerteza.‭ ‬Apesar dos esforços para combater a emigração clandestina,‭ ‬os fluxos continuam.‭ ‬De nada vale o Frontex,‭ ‬ou qualquer outra medida securitária ou de blindagem que tente transformar o velho continente numa fortaleza,‭ ‬pois a busca do‭ "‬eldorado europeu‭" ‬por parte dos povos do sul continua.‭ ‬E continuará, enquanto persistirem as razões que motivam essa emigração:‭ ‬o subdesenvolvimento,‭ ‬a pobreza escandalosa,‭ ‬e a desigualdade obscena.‭ ‬Ser imigrante não é própriamente ser um turista‭! ‬E sem papeis,‭ ‬ainda pior‭! ‬Contudo milhares,‭ ‬centenas de milhares, continuam a tentar a sorte todos os anos.‭ ‬Não lhes resta outro remédio se não tentar,‭ ‬ainda que os espere a morte nas águas do Atlântico,‭ ‬no estreito de Gilbraltar ou em qualquer outro ponto do Mediterrâneo.‭ ‬A pobreza a isso obriga.‭ ‬O principal argumento para cruzar o mar é a falta de oportunidades na sua terra natal.‭ ‬As dificuldades para encontrar trabalho apesar de alguns possuírem formação académica contribui para a‭ ‬fuga de cerebros‭ ‬para o Norte.‭ ‬O subdesenvolvimento de África,‭ ‬factor que motiva as migrações,‭ ‬é um facto denunciado por Kevin Watkins,‭ ‬autor do Relatório do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de‭ ‬2006.‭ ‬O relatório critica as actuais políticas comerciais de Ocidente que excluem os países mais pobres de competir no mercado por causa dos subsidios que a UE concede aos seus produtos agrícolas.‭ ‬Além disso,‭ ‬as políticas comerciais injustas foram permitidas por uma estrutura política africana que seguiu as‭ “‬receitas‭” ‬impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial convertendo o Estado naquilo que o professor de Relações Internacionais,‭ ‬Mbuji Kabunda,‭ ‬chama‭ ‬de‭ “‬um produto importado,‭ ‬e imposto de‭ ‬cima‭”‬.‭ ‬O Estado asumiu as regras do mercado sem fazer reformas sociais,‭ ‬e o resultado foi o‭ ‬incremento da pobreza,‭ ‬da desigualdade e da corrupção.‭ ‬A política proteccionista europeia e americana que marginaliza a África Subsariana do mercado mundial,‭ ‬e a falta de protecção dos cidadãos por parte do Estado,‭ ‬empobreceu a população e impulsionou os movimentos migratórios,‭ ‬com todo o rosário de dor e sofrimento que se conhece.‭ ‬Acrescente-se ainda,‭ ‬o facto de alguns estados africanos serem governados por políticos que pensam mais nos seus interesses pessoais,‭ ‬do que no povo que era suposto eles servirem.‭ ‬Sem qualquer perspectiva a uma vida condigna,‭ ‬ao povo só lhe resta partir.‭ ‬E assim se vão alimentando as máfias que dominam as rotas marítimas de imigração,‭ ‬a partir das costas de África,‭ ‬e que prometem como destino a Europa e o sonho de uma vida melhor.‭ ‬Infelizmente,‭ para muitos, o sonho transformar-se-á em sofrimento e morte‬.‭ ‬De acordo com ‭ ‬um recente estudo‭ da ‬Asociação Marroquina de Comunicação sobre os naufrágios de‭ ‬2007,‭ ‬publicado na Internet,‭ ‬estima-se que o número de desaparecidos se situe entre‭ ‬2500‭ ‬e‭ ‬3500‭,‭ ‬podendo ainda ser maior. É a silenciosa realidade trágica do continente africano.‭ ‬Há que pôr termo a esta nova bárbarie, que‭ d‬esta feita, não tem o chicote do capataz negreiro,‭ pois ‬não é preciso, a mão invisível da pobreza faz o seu trabalho.‭

quarta-feira, 18 de julho de 2007

"Rétrécisseur": Estranho Fenómeno no Senegal



No Senegal, nos dias que correm, cumprimentar por aperto de mão pode representar perigo para a integridade física de uma das partes! Não se trata de uma questão de higiéne, ou o perigo de transmissão de qualquer doença contagiosa! O risco que se corre é o de ser acusado pela outra parte, de ser um "rétrécisseur", isto é, uma pessoa que por artes mágicas, ou feitiçaria, faz minguar ou mesmo desaparecer o sexo da pessoa cumprimentada! A acusação, que acontece acto contínuo ao aperto de mão, desencadeia uma reacção agressiva não só do cumprimentado, mas dos circunstantes, e tem conduzido ao linchamento de várias pessoas, nestas últimas semanas um pouco por todo o Senegal, como nos dá conta a imprensa local e internacional (link). A maior incidência contudo tem-se verificado em Dakar, Mbour e Touba. O fenómeno é comum a ambos os sexos. Em Touba, no princípio de Julho, Malal Sow de 55 anos, foi agredido até à morte, depois de ter sido acusado de "rétrécisseur"; o último caso, foi relatado por Allioune Diop no L'Observateur de sábado passado 14 de Julho e ter-se-á passado em Mbour a sul de Dakar. As queixas acumulam-se nos comissariados de polícia, e vários processos sobre estes acontecimentos, correm os seus trâmites nos tribunais senegaleses. Este fenómeno já tinha sido registado no país, em 1997 com um balanço de 8 mortes e 36 feridos só em Dakar. Pode-se dizer que o Senegal, vive hoje uma psicose colectiva! E isso dá-nos que pensar e a questionarmos o porquê deste comportamento; o que leva as pessoas a acreditaram em algo que de facto não aconteceu? E a resposta é óbvia: tal comportamento prende-se com os aspectos culturais, com crenças, e a persistência da mentalidade mágica, tão vincada nos nossos povos! A mentalidade mágica não é uma característica particular dos africanos! Ela é comum a todos os povos! No entanto, face ao fraco desenvolvimento educacional, à elevada iliteracia, ela está ainda muito presente no continente africano. Essa permanência da mentalidade mágica na nossa sociedade, que se caracteriza por condutas como os acima descritos, parece tornar evidente a coexistência de dois mundos contraditórios, que se organizam segundo princípios opostos: o mundo da racionalidade e da lei e o mundo pré-ético e pré-político, ou seja a modernidade face ao arcaísmo. Esta realidade sócio-cultural mereceu uma atenção particular de Amílcar Cabral, que tratou do tema na sua obra, "A Arma da Teoria". Cabral esteve sempre atento aos aspectos da tradição cultural dos povos guineense e caboverdeano, como nos lembra Ana Maria Cabral na comunicação que fez no Smithonian Institution em Washington em 1995 ; diz Ana Maria: "Ele encarava com lucidez os aspectos mais díspares da tradição caboverdeana ou guineense não se coibindo de combater as superstições, tabus e outras manifestações do género que identificava como consequências do subdesenvolvimento económico, da falta do domínio dos fenómenos da natureza e da interpretação mágica do real vivido". Mário de Andrade, amigo e companheiro de Cabral, profundo conhecedor da sua obra, disse a este propósito que, "Cabral percebia a essência da mentalidade mágica de que está impregnado o espírito africano e o carácter ambivalente das crenças. Pedagogo, animou constantemente uma reflexão militante sobre as influências culturais negativas ligadas a factores regressivos do passado (superstição, tabu, ritos e costumes) e sobre a harmoniosa integração dos valores tradicionais em função do progresso moderno". Estas duas citações revelam a importancia que um dos grandes pensadores africanos como foi A. Cabral dava a essas questões e da necessidade de alteração de mentalidades. As reflexões de Cabral são ainda actualíssimas! Terá de haver um esforço redobrado no combate destes aspectos negativos da nossa cultura! Para tal, o papel da escola, da educação, é fundamental! Só com mais educação, a mentalidade mágica poderá evoluír para a mentalidade empírica e daí para a mentalidade lógica ou científica, e então registar-se uma efectiva dinâmica de transformação e progresso, nas nossas sociedades. Uma aposta na educação, no sentido lato do termo, será sempre uma aposta ganhadora, no combate ao subdesenvolvimento, terreno propício à prevalência de influências culturais negativas! A mentalidade mágica, é uma fonte de obscurantismo, e por consequência um obstáculo ao progresso. Para ultrapassar esse obstáculo, como diz a professora de psicologia da Universidade de São Paulo, Paula Montero: "terá de haver uma racionalização da magia!"

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Guiné-Bissau Dispensa Lugar na CEDEAO?



Na habitual consulta aos orgãos de comunicação, nomeadamente a jornais electrónicos, encontrei na sexta-feira passada, uma notícia que me deixou perplexo. A notícia, da agência Lusa, datada de 5 de Julho e veículada de Bissau, referia-se a uma hipotética cedência pela Guiné-Bissau, de um lugar que lhe pertence em termos estatutários na Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental - CEDEAO, a favor do Senegal, a troco de dinheiro! Esta questão, foi levantada na Assembleia Nacional pelo deputado do PUSD, Basílio Vadú, que terá tido conhecimento do facto aquando da recente visita parlamentar à Nigéria. Os valores avançados pela notícia, são de 2 mil milhões de FCFA, cerca de 3 milhões de Euros, relativo a financiamento daquela organização de integração regional, para pagar salários em atraso, e 500 milhões de FCFA ( cerca de 750.00 Euros ) oferecidos pelo Senegal como recompensa. A imprensa senegalesa terá mesmo reportado o caso, referindo-se ao bónus de 500 milhões de FCFA, e concluindo que por este caminho a “Guiné-Bissau se estava a transformar numa província do Senegal”.
A notícia é pouco esclarecedora, porquanto não se compreende o financiamento da CEDEAO como sendo um pagamento pela cedência do lugar ao Senegal, a não ser que tenha sido o resultado de um “lobbie” senegalês para o desbloqueamento do mesmo.
De qualquer modo, trata-se de um assunto que deve merecer um esclarecimento cabal por parte do Governo! Ainda que o caso tenha ocorrido na anterior governação, compete às autoridades averiguar o que de facto se passou, e esclarecer a opinião pública. A imagem que esta notícia passa, é extremamente negativa para a Guiné-Bissau! Se de facto aconteceu, deve ter havido ponderosas razões para tal, e então, isso deve ser explicado para que não reste qualquer suspeição sobre o caso!
A Guiné-Bissau é membro fundador da CEDEAO, e ao longo destes 32 anos de existência da Comunidade, tem ocupado os lugares que lhe compete no seio da organização. E isso é extremamente importante, por permitir defender os nossos interesses e os nossos pontos de vista, fornecer informações úteis sobre o conjunto dos países que integram a comunidade, e sobre os principais dossiers e programas em curso, facilitando aos organismos nacionais o tratamento das matérias relativas às políticas de integração económica e de defesa e segurança, em curso na comunidade.
Para além deste aspecto funcional, a designação de quadros nacionais para ocuparem cargos em organismos internacionais, só traz vantagens ao país. Antes do mais porque aumenta o traquejo internacional desses quadros, o que é uma mais valia; e por outro lado, é uma forma de garantir um “alfobre” onde a nação poderá ir buscar competências para as tarefas da governaça e da governação, sempre que fôr necessário. E por último, mas não menos importante, um país como a Guiné-Bissau, onde a falta de emprego é gritante, onde as expectativas de emprego para os quadros se resume à função pública, e a um ou outro organismo internacional instalado no país, e onde não abundam lugares de recuo para aqueles que terminam funções governamentais e de nomeação, não pode perder a oportunidade de os colocar em instituições internacionais, sempre que se lhe oferece oportunidade para tal. Parece que não foi este o caso, e deve haver uma razão! Qual? Cabe a quem de direito responder!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

O Gana Festeja a Descoberta de Petróleo



O petróleo tanto pode ser uma benção como uma maldição! Tudo depende da utilização que se fizer da riqueza que ele proporciona. A Noruega e a Nigéria são exemplos dessa ambivalência! No caso da Noruega, temos o exemplo da boa gestão e utilização dos recursos petrolíferos, que é um modelo a nível mundial; relativamente à Nigéria, temos o que de pior existe na gestão dos recursos naturais, em que as enormes receitas provenientes do petróleo, têm proporcionado um ilícito enriquecimento de uma clique dirigente, em detrimento do desenvolvimento económico e social do país, que esses rendimentos poderiam e deveriam ter propiciado.
Vêm estas considerações a propósito da recente descoberta de petróleo no Gana! No ano em que o país comemora o 50º aniversário, o presente não poderia ser melhor! 600 milhões de barris de petróleo "light" foram descobertos no furo Mahogany, na costa ganesa, pela empresa Anadarko Petroleum Corporation, que fez o anúncio no passado dia 18 de Junho, secundado pela BBC que fez uma ampla reportagem sobre o assunto, no programa "Focus on Africa" de 19 de Junho. O país inteiro celebra a descoberta! De repente, os ganenses, jovens e velhos, sonham com um país mais próspero e com melhor bem-estar para todos. Já há quem veja um Gana convertido num " Leão Africano" com uma economia forte e dinâmica a exemplo dos " Tigres Asiáticos". Segundo notícias difundidas, abriram-se garrafas de champanhe no Castelo de Osu, sede do governo do Gana, onde o presidente John Kufuor comemorou o fausto acontecimento. Quem poderia criticar tal celebração, sabendo que se está perante a possibilidade de transformar o Gana de um país pobre numa sociedade abastada? O Gana tem vindo a registar nos últimos anos um progresso assinalável, e tem sido apontado como exemplo em África. Os indicadores económicos são encorajadores. Depois de anos de estagnação, a economia está a crescer graças às políticas implementadas pelo Governo de John Kufuor. Em 2006 Gana registou um crescimento de 6,2%, a inflação está em franca queda, e as taxas de juros dos empréstimos bancários que eram há cinco anos na ordem dos 50%, baixou para 20% e continua tendencialmente a baixar. Com um crescimento relativamente forte, a inflação em queda, e o saldo da balança de transações correntes positivo, permitiu ao país a constituição de reservas externas que fornece uma "almofada" contra eventuais "choques". O Gana registou uma enorme redução da subnutrição humana, passando de 1.790 calorias por dia e por pessoa nos anos 80, para mais de 2.800 calorias por dia e por pessoa, actualmente, graças ao aumento da produção agrícola e pecuária com introdução de espécies melhoradas e expansão de área cultivada. Hoje pode dizer-se que no Gana a democracia funciona e a economia comporta-se bem. Face a estes sucessos, e à estabilidade interna, a diáspora ganense tem acreditado no seu país, efectuando remessas, que atingiram em 2006 mais de 4 mil milhões de dólares americanos. Todo este relativo sucesso foi conseguido sem o petróleo! Por isso o presidente Kufuor, considera que com os recursos do petróleo o Ghana pode ambicionar novos vôos na senda do seu desenvolvimento. Contudo, pairam no ar incertezas! Nos meios de comunicação impressos e electrónicos, os ganenses preocupados perguntam aos seus líderes como podem estar seguros de que tudo isto não é uma miragem, e que venha acontecer o mesmo que na Nigéria, onde os cidadãos apenas ouvem falar em milhões de petrodólares e depois não se vêm boas escolas, boas estradas, nem hospitais que funcionem. O presidente Kufuor dissipou as dúvidas dizendo, "só idiotas ou gente sem valores poderia ter tido a quantidade de dinheiro que a Nigéria arrecadou com o petróleo e continuar a ser pobre". Tem toda a razão Senhor Presidente! Esperamos e desejamos que o Gana trilhe um caminho bem diferente, para que amanhã não se venha dizer, que o belo presente recebido pelo 50º aniversário, foi um presente envenenado.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

A Ética e a Pesquisa Farmacêutica



Uma das indústrias mais lucrativas do mundo é a indústria farmacêutica! Graças a essa enorme rentabilidade, os grandes laboratórios multinacionais, investem cada vez mais em pesquisa, com vista a obterem novos medicamentos. De acordo com um artigo publicado na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique de Maio passado, com o título "Medicamentos do Norte testados nos pobres do Sul" extraído do livro de Sonia Shah "The Body Hunters" a indústria multinacional farmacêutica gasta mais de 40 mil milhões de dólares por ano para desenvolver novos medicamentos. Para isso, mobiliza um crescente número de cientistas, dos mais experientes do mundo, e utiliza a mais sofisticada tecnologia médica. Com tal volume de investimento poderia esperar-se um aumento do número de medicamentos de impacto dirigidos para os flagelados da humanidade. Mas não! Apesar desses grandes laboratórios terem sucursais em países subdesenvolvidos da África, Ásia ou América Latina, os seus objectivos primeiros é a de realizarem ensaios clínicos de medicamentos destinados aos mercados dos países ricos, os mais rentáveis. Para acelerarem a aprovação desses medicamentos ultra-lucrativos, pelas entidades oficiais, as grandes firmas farmacêuticas recorrem cada vez mais a cobaias humanas dos países pobres onde, com esse propósito, se instalam. Milhões de pessoas submetem-se, por engano ou a troco de migalhas, a testes sem supervisão e sem obediência a padrões de ética e de boas práticas como as previstas na Declaração de Helsínquia. Os efeitos na saúde das pessoas submetidas aos testes não são divulgados, mas sempre se vai sabendo de casos de doenças, de invalidez e até de mortes provocadas por essas experimentações. Um desses casos, é o que opõe o governo nigeriano ao laboratório Pfizer. A queixa que foi apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça da Nigéria, acusa aquele laboratório americano, de ter realizado em 1996, a pretexto de uma acção humanitária aquando de uma epidemia de meningite e rubéola no estado de Kano, testes do medicamento Trovan, sem obter as respectivas autorizações das autoridades nigerianas. A queixa indica que entre as 200 crianças que tomaram o medicamento em fase de ensaio, muitas sofreram afecções, como surdez, paralisia, perturbações da fala, lesões cerebrais e cegueira. Onze crianças terão mesmo falecido, segundo o procurador da República. No âmbito do processo, cujo julgamento deveria ter início ontem, 26 de Junho, mas que foi novamente adiado para 4 de Julho, a Nigéria exige uma indemnização de 7 mil milhões de dólares à gigante farmacêutica americana a título de reparação. O dinheiro, não comprará as vidas perdidas, nem os danos físicos e morais das crianças que foram sujeitas aos referidos testes, mas se o caso fôr bem sancionado, poderá servir de lição, desencorajando práticas semelhantes no futuro! Não se trata de condenar indiscriminadamente toda a indústria farmacêutica, mas denunciar aquelas empresas que, onde encontram brechas ou debilidades institucionais, como é o caso de muitos países africanos, agem fora da lei maior, a lei da vida. Há muitas empresas do sector que pautam a sua actuação pelo estricto respeito pela dignidade humana e pelo código deontológico, nas suas pesquisas. Não podemos contudo, fechar os olhos, para aquelas que agem ao arrepio dessas normas éticas.
A vida em sociedade pressupõe ética, ou seja, valores, princípios, limites, respeito pela pessoa humana, e sentido do bem comum. O capitalismo selvagem, a busca desenfreada do lucro, ou o lucro a todo custo, leva muitas empresas a não se aterem nem à sua responsabilidade social nem à obediência aos valores éticos! Este caso, que opõe a Nigéria à maior empresa farmacêutica do mundo, é apenas um exemplo! Um triste e preocupante exemplo!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

As Consequências dos Acordos de Parceria Económica nos países ACP



Os 77 países de África, das Caraíbas e do Pacífico que constituem o grupo ACP, estão à beira de viveram uma situação a todo título dramática, com o fim do regime preferencial de comércio que há 32 anos vêm mantendo com a Europa no quadro dos acordos de Lomé e de Cotonu ! Este último, o de Cotonu assinado em 13 de Junho de 2000, para um período de 20 anos, prevê o fim das relações preferenciais, e a celebração de Acordos de Parceria Económica Regionais, que deverão estar concluídos até ao final do corrente ano, para entrarem em vigôr em 1 de Janeiro de 2008. Estes novos acordos, introduzem o mecanismo de reciprocidade em matéria de trocas comerciais, que em última instância significa, a introdução do comércio livre, ou de livre-troca no espaço ACP, conformando-se deste modo às regras do liberalismo económico de que a OMC é intransigente defensor. Esta alteração da política europeia de cooperação para com os países ACP deve-se de acordo com a Comissão Europeia, a dois factores: 1º - a constatação de que o regime preferencial, não promoveu o desenvolvimento económico e social esperado, e 2º - a necessidade de se fazer o "aggiornamiento" às regras da OMC, que de há muito vem pressionando a União Europeia para colocar fim a esses acordos preferenciais com os ACP. Se tal vier a acontecer, e as pressões nesse sentido são enormes, os efeitos nos países que constituem os ACP serão devastadores. Isto porque se registarão impactos ou choques em pelo menos quatro áreas-chaves, a saber:
- Efeitos sobre o orçamento resultante do desarmamento pautal que afectará os recursos dos países pobres, que têm nas receitas aduaneiras, a principal receita fiscal;
- Efeitos sobre a balança de transações correntes, com desequilíbrios cuja correcção, passará pela depreciação da moeda ou redução de gastos públicos;
- Efeitos sobre o sector industrial, que poderá levar à desindustrialização, com o desaparecimento das pequenas e médias empresas, incapazes de competir com os produtos importados;
- Efeitos sobre o sector agrícola, pondo em causa a agricultura de subsistência, cuja existência e desenvolvimento, constituem o elemento-chave para o combate à pobreza, sobretudo em países predominantemente agrícolas.
Deste modo, o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas, ficará definitivamente comprometido!
Quando o regime de livre comércio entrar em vigôr, a grande maioria dos países ACP não estarão em condições de o suportar, devido às debilidades que as suas economias apresentam, e os problemas com que se debatem irão agravar-se por força do choque que o livre comércio irá ter em todo o tecido económico e social desses países. A pobreza em vez de recuar, irá aumentar, devido ao desemprego, à falta de cuidados de saúde e de educação, e assistir-se-á ao incremento dos fluxos migratórios em direcção à Europa. Estudos realizados pela CNUCED, pela FAO, pelo PNUD e pela CECA ( Comissão Económica para África) das N. Unidas, apontam nesse sentido. A Assembleia Nacional francesa já se debruçou sobre esta questão, tendo elaborado um relatório de mais de 300 páginas com data de 5 de Julho de 2006, e que foi entregue à Comissão Europeia. Nesse Relatório os deputados franceses analisam os impactos negativos de uma imediata liberalização do comércio nos países ACP, chamando a atenção para o facto do comércio não ser a única chave para o desenvolvimento, e deixam o aviso, passo a citar: "...se a comissão persistir, a Europa cometerá um erro político, táctico, económico e geoestratégico".
Esperemos que o bom senso prevaleça, para o bem de milhões de seres humanos em África nas Caraíbas e no Pacífico.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Eleições no Senegal



No passado dia 3 de Junho, noventa dias depois do acto eleitoral que reconduziu Abdulaye Wade à presidência, com cerca de 56% dos votos, muito contestados, o Senegal voltou às urnas, desta vez para eleger os 150 deputados à Assembleia Nacional. Se tudo isto parece perfeitamente normal, tanto mais que o país é considerado uma vitrina de democracia na África Ocidental, já os resultados da participação, deixam a todos algo preocupados! Dos cerca de cinco milhões de eleitores pouco mais de um milhão e setecentos mil exerceu o seu direito de voto; os restantes abstiveram-se, seguindo a recomendação da oposição coligados na Frente Siggil Senegal ( que significa em ouolof "levanta-te Senegal" ) constituído por 17 partidos. Com uma tão baixa taxa de participação, ( cerca de 35% dos eleitores inscritos ) e que é a mais baixa de sempre no país, é caso para questionar qual o sentido destes resultados. Para já, o campo presidencial, do PDS ( Parti Democratique du Senegal ), e do SOPI ( "mudança" ) verá o seu peso aumentar no parlamento, certamente com mais de 125 deputados em 150, já que os 13 partidos que concorreram com o PDS, partido no poder, têm fraquíssima representatividade. Pode parecer uma vitória estrondosa para o presidente Wade e o seu partido, mas sê-lo-á? Vejamos antes de mais porque razão a oposição boicotou as legislativas de Domingo passado:
- As eleições presidenciais de 25 de Fevereiro, foram objecto de forte contestação, da oposição por considerá-las que não foram justas nem transparentes, e que terá havido manipulação por parte do poder. A esta contestação nem o governo nem o Presidente se dignaram responder, tendo este último coarctado qualquer diálogo;
- A situação económica e financeira do país é preocupante, com uma taxa de desemprego a rondar os 45%, o que tem incentivado a emigração, sobretudo de jovens;
- A oposição acusa Wade de não ter uma política coerente e eficaz para o combate à pobreza;
- Acusam o presidente de se furtar ao diálogo e utilizar uma linguagem e uma atitude violenta em relação aos opositores, no velho estilo de um chefe de estado africano tradicional, que tende a desaparecer;
Um estudante da Universidade Cheik Anta Diop de Dakar, Rochay Ba, declarou: " O presidente Wade comporta-se como um rei absoluto, não escuta as pessoas. Os estrangeiros dizem que o Senegal é um modelo de democracia, mas nós os senegaleses não constatamos isso". Esta declaração reflecte o desencanto de muitos senegaleses perante a governação de Wade.
Com estas eleições o poder de Wade saírá reforçado? Em termos de legitimidade formal sim, mas em termos de legitimidade moral e ética, a imagem da democracia senegalesa fica sériamente manchada, sobretudo quando o "Gorgui" ( velho em ouolof ) como é tratado Abdoulaye Wade já com 81 anos, ameaça todos os membros do seu partido que se abstiveram de séria punição, e que a oposição, que ele considera de gente inválida, com este boicote nada vai conseguir.
O mínimo que se pode dizer, é que é estranho vermos um antigo opositor de mais de duas décadas ao regime de Senghor e Abdou Diouf, ter uma conduta de "rei e senhor" de cariz menos democrático que a dos seus antecessores, que ele tanto criticava e tanto combateu.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Maio mês de África



Estamos a chegar ao fim do mês de Maio, um mês que em Portugal, cada vez mais, é dedicado ao continente africano! As comemorações já não se limitam ao dia 25, dia de África, mas estendem-se por todo o mês, com uma diversificada programação de actividades culturais e lúdicas. Este ano, em particular, tem havido uma grande preocupação sobre questões ligadas ao desenvolvimento de África. Um pouco por todo o lado realizam-se conferências, palestras e seminários de temática africana, colocando a tónica sobre o futuro do continente. E há uma razão para tal acontecer! A África está na agenda mundial. Depois de tantas décadas esquecida, a comunidade internacional, parece ter sido despertada para a realidade africana. O que se passou, para este súbito interesse? Há várias razões! A África começa a dar sinais de alguma estabilidade, com diminuição de focos de conflito; o continente vem registando desde a viragem do século e do milénio, um crescimento que em média se situa acima dos 5% ( com países a atingirem crescimento a dois dígitos, como são os casos de Angola, da Mauritânia, ou da Guiné Equatorial ); a África está a tornar-se cada vez mais um importante fornecedor de matérias-primas entre as quais o petróleo, matéria-prima estratégica, e por esse motivo, está no centro de uma disputa pelo acesso às mesmas por parte das grandes potências; a entrada da China e da India no mercado africano, veio aumentar essa disputa; o fluxo migratório de África para a Europa tem sido uma realidade crescente nestes últimos anos, com todos os dramas humanos e problemas sociais que o mesmo vem suscitando. Por todas estas razões, a África parece começar a saír do limbo, como nos é revelado pelo número de programas de acção para África existente em quase todas as chancelarias europeias, americanas e asiáticas. Se não vejamos: temos a Comissão para África do Reino Unido, lançada por Toni Blair e Gordon Brown, a Estratégia para a África da Comissão Europeia, O Plano de Acção do G-8 para África, a Política para Africa da China, o Plano África da Espanha, para apenas citar alguns exemplos. O grande senão desses planos, é que são elaborados numa óptica do estrangeiro, isto é por aqueles que por vezes não têm uma visão completa da realidade africana. É por essa razão que se aguarda com expectativa a realização da próxima cimeira Europa-África que se realizará em Novembro em Lisboa durante a presidência portuguesa da U.E. pois em princípio, a estratégia que vier a ser adoptada será baseada numa visão comum da UE e da África sobre as 5 principais questões ou dossiers, a saber: 1. Visão partilhada; 2. Questões chaves sobre o desenvolvimento; 3. Integração comercial e regional; 4. Paz e Segurança; 5. Governação e direitos humanos.
Se a Europa quiser continuar a ter um papel determinante no processo de desenvolvimento africano, terá de alterar o que foi o seu paradigma de parceria com o continente. Isso foi reconhecido pelo comissário europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária Louis Michel, na conferência que deu em Berlim em 28 de Novembro de 2006 quando disse:
"A Africa encontrou o seu lugar no xadrês geopolítico. Esta constatação deve-nos conduzir a uma reflexão profunda: quais são as implicações para a relação Europa-Africa? Em que consiste esta nova relação? Qual é a diferença com a política africana que a Europa tem seguido até hoje?"
As respostas a estas interrogações serão conhecidas em Novembro! Vamos aguardar!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Recordando José Carlos Schwarz



Foi há trinta anos! Naquela manhã de sol radiante do mês de Maio, encontrei-me com o José Carlos Schwarz no hall do hotel Altis em Lisboa. Trocámos as habituais saudações e ele informou-me que estava em trânsito para Havana e que partiria naquela noite ou no dia seguinte, já não me recordo. Dei-lhe um forte abraço e desejei-lhe boa-viagem! Mal poderia eu imaginar que seria a última vez que o veria. O avião da Aeroflot em que seguia para Cuba despenhar-se-ia na aproximação ao aeroporto internacional José Marti em Havana. Fiquei incrédulo quando soube da notícia! A Guiné-Bissau acabava de perder um combatente e um dos seus expoentes máximos no domínio músical, e nós um amigo.
José Carlos Schwarz é uma referência incontornável da música guineense! A faceta interventiva das suas composições, perspassa por toda a sua obra. Ele foi, sem sombra para dúvidas um cantor interventor! O legado deixado por José Carlos Schwarz, é uma referência para todos aqueles que não se conformam e continuam a lutar pela mudança e por um futuro melhor.
Os temas por ele composto e cantado, são de uma grande actualidade. A sua mensagem é ainda pertinente e actual.
O cantor e compositor, nunca deixou de abraçar causas e motivos que lhe pareciam justos, nem de lutar contra o conformismo e o espírito acrítico. As sua canções são fruto dessa luta diária, e dessa reflexão constante. A sua influência na tomada de consciência dos guineenses, da realidade politica e social que então se vivia é assinalável. José Carlos Schwarz foi, através da sua música, um mobilizador de consciências para a luta de libertação. Foi um nacionalista, no conceito mais puro do termo, de alguém que ama o país e as suas gentes, sem caír no chauvinismo primário. E isso está patente nas suas canções: nelas tratou temas nacionais na língua nacional, o crioulo, o que revela uma grande consciência nacionalista, não muito vulgar ao tempo.
A sua discografia é notável, não tanto pela pela sua extensão, pois a sua vida foi muito curta, extremamente curta, mas pela sua excepcional qualidade. José Carlos Schwarz deixou-nos temas inesquecíveis, de conteúdo e sonoridade únicas, que penetra no mais profundo do nosso ser, e nos comove e estimula. O que José Carlos nos deixou é música pura! Da crítica social, com "Apili" ou "Minino di Criaçon", ao incentivo à luta, com "Si bu sta diante na Luta", ou ainda com a canção de amor "I son Sodade", não esquecendo o lamento do "Quê qui minino na Tchora", por todos estes temas, perspassa a qualidade artística do compositor e do cantor, e do homem atento à realidade envolvente, que faz dele um cantor comprometido, pois, como dizia Zeca Afonso, "a música é comprometida quando o músico é um homem comprometido! Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso, mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta". Zé Carlos soube interpretar essas circunstâncias, e soube transmiti-las na sua voz inconfundível, através das suas canções, a todos nós!
Obrigado José Carlos!

quarta-feira, 9 de maio de 2007

África: Boa Evolução do PIB, Poucos Efeitos Sobre a Pobreza



No passado dia 13 de Abril o Fundo Monetário Internacional, divulgou o relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais para a Africa Subsariana, que faz o balanço da evolução da economia africana a sul do Sara em 2006 e as perspectivas para 2007. O relatório, revela que a África Subsariana vai no terceiro ano consecutivo de crescimento acima dos 5%, e em seis anos de crescimento acima dos 4%, e com uma previsão para o corrente ano entre 6 e 7%. O petróleo continua a ser o principal responsável por esta evolução. Entre os 44 países da região existem grandes diferenças na evolução das suas economias. Por exemplo, enquanto Angola teve um crescimento de 15,3% em 2006, o Zimbabué registou uma taxa negativa de -4,8%, e as perspectivas para 2007 serão de 35,3% para Angola e de -5,7% para o Zimbabué. A zona da UEMOA que integra oito países da Africa Ocidental, ficou abaixo da média da Africa Subsariana, com um crescimento médio de 3,6%. Dentro da UEMOA a Guiné-Bissau registou um crescimento inferior à média da União, com apenas 2,7%, ou seja cerca de metade da média da Africa Subsariana. Deste modo, a Guiné-Bissau registou em 2006 uma evolução negativa do PIB per capita de -0,3%. Contudo as projecções para 2007, dão pela primeira vez desde a guerra civil, um crescimento do PIB per capita de 2%. No conjunto da região subsariana a "performance" é satisfatória, e as perspectivas encorajadoras. Isso deve-se a uma melhoria na gestão macroeconómica, com estabilidade orçamental e baixa inflação, o perdão da dívida, a entrada no mercado da China e India e a alta dos preços das matérias-primas. Apesar disso, não se tem registado o recuo da pobreza! Qual a razão da sua persistência? A resposta de alguns economistas das N. Unidas e das organizações de Bretton Woods, é que o crescimento apesar de elevado, ainda não ser suficientemente vigoroso para fazer recuar a pobreza, apontando para uma taxa "mágica" de 7% como sendo aquela que teria um real impacto no combate à pobreza no continente. A ser assim, ( ainda está para ser provado ) a África Subsariana atingirá este ano o limiar dessa "taxa mágica" dos 7%, e consequentemente pela primeira vez em décadas, se registará a estagnação da pobreza com o seu posterior recuo. Pensamos contudo, que para a obtenção de um crescimento mais vigoroso, que permita o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a Africa ao sul do Sara, precisará de:
1. Diversificar a sua economia, e torná-la menos dependente das actividades extractivas, como o petróleo, os diamantes, o cobre, ou a bauxite;
2. Levar a cabo políticas demográficas, para reduzir os efeitos negativos que um rápido crescimento tem sobre o crescimento e o desenvolvimento económico. Mais de 40% do crescimento económico na Africa Subsariana, é absorvida pela taxa de de crescimento populacional ( 2,7% em 6,2% em 2006 ), o que conduz a que o crescimento do PIB per capita seja de apenas 2,3% para os países não produtores de petróleo. A esta taxa serão necessários 30 anos para duplicar um PIB extremamente baixo;
3. Elaborar e implementar melhores políticas redistributivas, investindo em áreas sociais ( saúde e educação ), e na criação de emprego;
4. Manter a estabilidade económica e política, de molde a criar um bom ambiente de negócios para o investimento nacional e estrangeiro. É impriscindível que se coarctem os riscos de instabilidade política e de conflitos, que pairam sobre alguns países africanos;
5. Apostar fortemente no desenvolvimento rural, que é um catalizador, do desenvolvimento económico, pois em ligação com os outros sectores, é um gerador considerável de emprego, de rendimento e de crescimento económico. A história revela-nos que muito poucos países registaram um rápido crescimento económico sem o desenvolvimento do sector agrícola. Quem diz sector agrícola diz, toda a activividade a juzante dele nomeadamente a agro-indústria. Por isso a agricultura deve estar na linha da frente das agendas nacionais, para a erradicação da pobreza.
Em resumo, a África Subsariana, precisa de dar o salto qualitativo no seu processo de desenvolvimento, libertando-se da dependência quase exclusiva do petróleo e outros recursos naturais, com todas as suas armadilhas e maldições.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

No País do Cajú



Entrámos no mês de Maio, e com ele uma época muito especial para a Guiné-Bissau! Por esta altura pelas terras guineenses, regista-se uma azáfama inusitada, pois é o tempo da colheita do cajú, mais conhecida por campanha do cajú, a mais importante produção nacional. O país fervilha de actividade, sente-se no ar uma agitação salutar, uma dinâmica comercial sem paralelo. Por todo o lado se assiste a um vai-vem de camiões, carrinhas, e tractores, transportando até aos mais recônditos lugares, materiais para a campanha: vazilhames para o vinho de cajú, sacos de juta para o acondicionamento da castanha, o arroz para a troca ou permuta, e outros víveres para o abastecimento dos postos de comercialização. De retorno, carregam-se as primeiras castanhas com destino aos armazéns da capital onde aguardarão o embarque par um qualquer porto da India.
Dizem-me que as expectativas para a campanha deste ano são boas! Os cajuais estão lindos, carregados e livres de moléstias. Há já algum tempo, que se vêm sob frondosos cajueiros toda a parafernália utilizada para a actividade cajueira: os bidões, os baldes a “canoa” de espremer e os os oleados ou serapilheiras para a secagem da castanha! A actividade é intensa! Trabalha-se e canta-se! Ouvem-se risos alegres e galhofas de crianças, e o chilrear das aves felizes pelo banquete oferecido pelos frutos maduros. Paira no ar o odôr adocicado de cajú maduro e de mosto fermentado! É a festa da abundância! Como seria bom, que este frenesim de actividade se prolongasse pelo ano todo! Agora com o cajú, depois com a plantação do arroz e sementeira da mancarra, seguido das respectivas colheitas em Novembro, Dezembro e Janeiro. Seriam novas campanhas, e novas abundâncias para o bem do povo e da economia guineense.
É preciso encontrar uma solução para o aproveitamento integral, das nossas enormes potencialidades no domínio da produção agrícola e nomeadamente orizícola! As “bolanhas” que outrora produziam arroz para satisfazer toda a procura interna, e para exportação, estão hoje abandonadas! É algo de incompreensível e confrangedor! Tanto mais que o arroz constitui a base de alimentação do guineense. Não faz qualquer sentido, que havendo potencial produtivo de arroz no país, as nossas populações continuem dependendo das importações ou da ajuda alimentar internacional. Há que inverter este estado de coisas! É um imperativo nacional! Não me venham com argumentos falaciosos como falta de vantagens comparativas na produção orizícola! Se se acabasse com os subsídios à produção e à exportação nos países mais ricos, a conversa seria outra, e a competição seria mais justa. Como isso ainda não aconteceu, teremos de levar a cabo uma política de soberania alimentar, num quadro de cooperação regional, com vista a garantir que:“o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, com base na pequena e média produção, respeitando as próprias culturas e a diversidade dos modos de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel fundamental.” se materialize, como foi definido na declaração de Havana e de Niéléni, do Foro Mundial sobre a Soberania Alimentar.
“Garantir Alimentação para Todos” deveria constituír uma prioridade na política económica guineense, o que pressupõe uma maior atenção ao sector agro-pecuário do país.
Termino desejando uma boa campanha a todos os produtores e operadores!
A Guiné precisa, a Guiné merece!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

A Propósito do Relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos



As organizações da sociedade civil ( OSC ) desempenham um importante papel no apoio e consolidação da democracia e da governação democrática. Na Guiné-Bissau, as organizações da sociedade civil têm vindo a exercer uma função essencial no domínio do exercício da cidadania, que é a todos os títulos louvável. É que o exercício da cidadania não deve limitar-se ao voto, mas ser extensiva a uma participação múltipla e quotidiana dos cidadãos em prol do bem comum. Esta participação activa dos cidadãos, representa uma oportunidade de ampliação dos recursos e competências para enfrentar os grandes desafios nacionais, como o combate à pobreza e o trabalho infantil, a erradicação do analfabetismo e a evasão escolar, a promoção da saúde familiar e comunitária, a corrupção, a defesa dos direitos humanos e da igualdade do género, a degradação do meio ambiente, para apenas citar alguns.

Não obstante a existência de divergências de opiniões e de reinvindicações, o diálogo entre os vários actores governamentais e não governamentais, conduz quase sempre, à definição de uma agenda de consenso, sobre temas e assuntos de interesse comum e de carácter nacional. Esta interacção entre governo e sociedade, é uma das características das democracias contemporâneas, que urge ser introduzida na sociedade guineense. Registamos com agrado, que na formação do novo governo, a sociedade civil tenha sido auscultada, e que se tenham definido formas de participação e colaboração. É um bom sinal!

Alguns sectores governamentais receiam por vezes, a participação da sociedade, por a considerarem uma intromissão em áreas da sua exclusiva competência. A promoção da parceria Estado-Sociedade Civil, não exime o Estado das suas responsabilidades, nem deve ser entendida como uma alienação ou privatização do próprio Estado. Trata-se tão só, de um reconhecimento, que a participação dos cidadãos, é condição indispensável para uma maior eficiência das políticas e dos programas sociais.

Vêm estas considerações sobre o papel da sociedade civil na consolidação da democracia, a propósito da recente publicação pela Liga Guineense dos Direitos Humanos do seu Relatório relativo ao ano de 2006.
A Liga Guineense dos Direitos Humanos, com quinze anos de existência, é uma das importantes organizações da sociedade civil guineense, que vem desenvolvendo um meritório trabalho na defesa intransigente dos direitos humanos na Guiné-Bissau, no quadro das convenções internacionais e do direito guineense. O referido relatório, que me foi enviado por mão amiga, é um documento sucinto, onde se faz uma resenha histórica da situação do país, citando-se alguns dados estatísticos ( a necessitar algumas correcções ) e a denúncia de um conjunto de factos que se prendem com os direitos humanos na Guiné-Bissau. Os factos apontados, são analisados, criticados e responsabilizados de forma clara e inequívoca. Do narcotráfico à mutilação genital feminina, das crianças talibés à questão da independência dos média, da vingança pelas próprias mãos ( vindicta privata ) às prisões arbitrárias, passando pelos direitos à educação e à saúde, sem esquecer o funcionamento da Justiça. O relatório é um autêntico libelo acusatório contra a má governação e o desrespeito pelos direitos humanos fundamentais na Guiné-Bissau. Mas este relatório, não deverá ser encarado, pelo governo, como um ataque, mas sim como uma denúncia de problemas, aos quais urge dar respostas adequadas. É esse o papel das organizações de defesa dos direitos humanos em todo o mundo: denunciar, para que os governos tomem medidas correctivas, de “moto proprio”, e quando não, através da pressão internacional. Um governo que esteja aberto ao diálogo e que queira governar para o bem comum,( objectivo primeiro de qualquer governo democrático) não poderá ignorar as realidades sociais que são denunciadas no presente relatório da Liga Guineense dos Direitos Humanos. Aos governantes, nunca é demais relembrar, que antes de tudo, eles são cidadãos como os demais, e que o poder e as honrarias que lhe confere o cargo público e político são sempre de carácter temporário, e como diz o aforismo latino: “sic transit gloria mundi”, isto é “a glória do mundo é sempre passageira”.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

A África e o Ferro: Uma História Antiga



A História, é um daqueles ramos do saber, que provoca frequentes controvérsias! É também uma daquelas disciplinas que cria um grande interesse na generalidade das pessoas. A curiosidade humana sobre o seu passado, tem algo de inato! Costuma dizer-se que um povo sem história, é um povo sem alma! ou, como diz um ditado africano: "Quando não se sabe de onde se vem, não se sabe para onde se vai!". Vem tudo isto a propósito da questão da existência na história da África Subsariana, da actividade de metalúrgia do ferro, num período anterior ao seu aparecimento na Anatólia ou Ásia Menor, que é considerada o seu"berço". Com efeito está hoje provado, que a África desenvolveu a arte do ferro de forma endógena e autónoma, desde o 3º milénio a.C.; ela não a recebeu por empréstimo de outras regiões do mundo, como nos quiseram fazer crer. As primeiras provas, deste facto histórico, surgiram nos anos 50 do séc. XX, quando o etnólogo e arqueólogo francês, Henry Lhote defendeu o carácter intrínsecamente africano da indústria do ferro, contrariando a tese que o conhecimento da metalurgia do ferro entrou na África Subsariana via Núbia ou Saara, a partir do Médio Oriente. Dizia Lhote: "se assim tivesse sido, como explicar por exemplo, a ausência de altos fornos e de ferreiros entre os berbéres saarianos? ou como se explica a originalidade dos foles subsaarianos?" A comunidade científica não o quis ouvir! A maioria dos historiadores tinha ideias preconcebidas: a técnica africana do ferro veio de fora! De acordo com o arqueólogo Bruno Martinelli, se relativamente à cerâmica e à habitação, todo o mundo está em igualdade, quanto à tecnologia do ferro, as coisas complicam-se, pois ela implica um processo de transformação físico-quimico! E no velho esquema de pensamento, a África antiga, era primitiva e selvagem, e portanto não podia ter inventado a metalurgia; apenas a podia ter recebido. A polémica foi relançada nos anos 60 do séc. passado, com as primeiras datações do ferro da cultura Nok na Nigéria que se estende de 3.500 a. c. a 200 anos da nossa era. Mas as datas mais antigas fora recusadas, e hoje estima-se que o ferro tenha aparecido na àfrica Ocidental no início do 1º milénio a.c. Desde então, fizeram-se novas descobertas, em numerosas escavações por todo o continente; do Níger à Tanzânia e África do Sul passando pelos Camarões e República Centro Africana. O sítio de Egaro no Níger Oriental, revelou vestígios datadas de 2.500 anos a.c. cuja homologação se aguarda. A confirmar-se, trata-se de uma antiguidade anterior a do império Hitita ( 2000 a 1300 a.c. ) considerado o "inventor" da metalurgia do ferro. A importância científica destes achados, levou a UNESCO a criar um programa em sua defesa, que é " A Rota do Ferro em África". Perante tanta evidência, qual a razão da resistência da comunidade científica em aceitá-la? De acordo com Suzánne Diop da UNESCO, e coordenadora do referido projecto, “persistem ainda reminiscências ideológicas suspeitas, que defendem, que uma invenção tão importante como a metalurgia não possa ter vindo senão do norte. Para a África têm-se apresentado sucessos nos domínios artísticos, desportivos e até literários, mas no domínio tecnológico é uma novidade!” Para Bruno Martinelli, “trata-se da maior descoberta científica-civilizacional dos últimos tempos em todo o mundo”. Descoberta que pode alterar profundamente a "verdade histórica" até hoje prevalecente sobre a África e suas civilizações. Esperemos que"a cegueira científica devido à ideologia preconceituosa" como diz a jornalista Nadia Khoury-Dagher, não se sobreponha à verdadeira ciência, que é suposto ser, isenta e desprovida de preconceitos de ordem, ideológica, doutrinal, filosófica, religiosa e política! E se assim fôr, estaremos a reescrever um capítulo importante da História de África e da Humanidade.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Em Jeito de Carta Aberta



Os guineenses aguardam a indigitação de um novo primeiro ministro, cujo nome já se conhece, mas que o Senhor Presidente da República tarda a confirmar! O "suspense" também faz parte do espectáculo da política! E o povo como sempre, aguarda com toda a serenidade o desenrolar dos acontecimentos. Mas não está alheio! Nem poderia estar, pois é o seu futuro que está em jogo. E faz vaticínios, sobre a próxima governação: vai ficar tudo na mesma ou pior ainda, dizem uns; talvez seja desta vez que a terra se componha, dizem outros. Sempre que há mudanças, geram-se novas expectativas! Cabe ao novo executivo não defraudar as expectativas daqueles que acreditam na melhoria da situação, nem confirmar o pessimismo daqueles que já descrentes, por tanto insucesso, já em nada acreditam.
Na ausência de um programa de governação, que já deveria ser conhecido, ainda que em linhas gerais, e perante a incógnita de quem integrará o novo executivo guineense, só nos resta desejar que o governo seja pequeno, coeso e competente. Que não se caia na tentação pletórica, criando ministérios apenas para servir o clientelismo político. É preciso mostrar uma certa austeridade e uma absoluta coerência com a real situação do país. A crise deve tocar a todos. A tarefa que o novo governo tem pela frente, é gigantesca, e só poderá ser vencida com a colaboração de todos os guineenses. Para tal é preciso que governe em diálogo permanente com todos os parceiros sociais. Vale a pena recordar que ninguém tem o monopólio da pátria. Ela pertence a todos os seus cidadãos, e todos têm uma palavra a dizer quanto ao seu futuro. Não vamos citar os indicadores económicos ou os índices de desenvolvimento humano da Guiné-Bissau, pois eles são por demais conhecidos. Mas vale a pena recordar que a situação do país é extremamente preocupante. Para além das questões económicas o país vê-se hoje confrontado com novos desafios, de complexa resolução como é o caso do narcotráfico, e tudo o que com ele está relacionado. Por diversas vezes temos dito, que não basta haver "dança de cadeiras" para que tudo se resolva no país. Os problemas são muitos e alguns demasiados complexos e sensíveis. Seria bom que o país se unisse à volta dos grandes desígnios nacionais como a reconciliação nacional, a estabilidade política, a questão da segurança e da soberania nacional. Sem a união de esforços qualquer acção que vise mudanças, pode estar condenada ao fracasso.
Ao novo governo da nação, que em breve estará no comando dos destinos da Guiné, só nos resta desejar que governe para o povo e com o povo. Afinal é essa a sua missão. De outro modo não faria sentido! É bom lembrar que os cidadãos, estão insatisfeitos, e tornaram-se também mais exigentes, porque mais informados. O governo estará sob permanente escrutínio, e a sua actuação será avaliada de forma pragmática pelos cidadãos. O Professor Fritz Scharpf do Instituto Max Planck de Colónia, a propósito da questão do "governo para o povo", diz , que "o governo para o povo obtém legitimidade através da sua capacidade para resolver problemas que não podem ser enfrentados individualmente nem confiados à troca de mercado ou à cooperação voluntária da sociedade civil. Portanto a democracia não pode apenas ser formal, isto é, basear a sua legitimidade apenas no respeito dos processos, pois deve ser também capaz de integrar os cidadãos, com a garantia dos seus direitos não apenas formais, mas substantivos." E por aqui me fico! Nesta hora de mudança, só resta dizer: "Que seja benvindo, quem vier por Bem!"

04/04/07 08:35h

segunda-feira, 2 de abril de 2007

O Software Livre e a Redução do Fosso Digital em África



O fosso que separa o mundo desenvolvido do mundo em vias de desenvolvimento, no domínio das novas tecnologias, é abissal. Face a essa realidade, os governos dos países em desenvolvimento, devem procurar implementar políticas que conduzam ao estreitamento do fosso digital, através do maior acesso das suas populações a essas mesmas tecnologias. Trata-se de uma política fundamental, sabendo-se que os TIC's são hoje uma ferramenta essencial para o desenvolvimento. Assim, o aproveitamento do potencial das novas tecnologias, deve constituír uma responsabilidade que os governos as empresas e os próprios cidadãos devem assumir. É um facto de que a tecnologia digital, sob a forma de telemóveis, computadores, agendas electrónicas, podcasts ou GPS estão a mudar o mundo. Está-se cada vez mais dependente da informática e da internet, esta última considerada ainda um fenómeno elitista, pois cerca de 90% da população mundial não tem acesso à rede. As novas tecnologias para os países subdesenvolvidos, mais do que um mero aspecto consumista, é uma necessidade para o seu desenvolvimento e a sua integração plena no mundo globalizado, e desse modo evitarem novas formas de colonização. Mas o acesso ao mundo digital por parte dos países pobres e em especial em África, apresenta alguns desafios, tais como a fraca ligação telefónica ( cerca de 20 milhões em toda a Africa Subsariana ), baixa taxa de electrificação, e os baixos rendimentos que coloca a maioria dos africanos sem possibilidade de acesso às novas tecnologias. A questão dos custos quer dos equipamentos quer do software vai exigir uma nova estratégia por parte dos governos africanos. Se até agora, os gastos com os programas informáticos eram insignificantes, por serem na maioria deles pirateados, com a nova política da Microsoft, através do WGA - Windows Genuine Advantage, ficam de certo modo coarctadas as possibilidades de obtenção de software a baixo custo. É que a Microsoft, que durante todos estes anos fechou os olhos à pirataria, e de certo modo até a incentivava, pois servia os seus interesses ao difundir os seus produtos, mudou de estratégia, garantida que está a dominação do mercado! Calcula-se que 60% do software no mundo é pirateado! A eliminação de apenas 10% desse mercado clandestino daria à Microsoft mais um encaixe suplementar de 2.600 milhões de Euros! Face a este cenário, a África, que tem ainda um longo caminho a percorrer no domínio das novas tecnologias, já que a taxa de penetração de internet por exemplo é inferior a 2%, terá de encontrar outras alternativas que lhe permita aspirar à redução do fosso digital. Essas alternativas passam, quanto a nós, pela opção do software livre ou FOSS ( Free Open Source Software ) como já o vêm fazendo países como a Africa do Sul, a Venezuela, Cuba a Malásia ou a Espanha onde o Ayuntamento de Zaragoza e a Junta da Extremadura optaram inequívocamente pelo “open source” ou software livre. A própria União Europeia vem recomendando essa opção! Tem-se assistido nos últimos anos um grande impulso do software livre, graças a um amplo movimento internacional, que tem subjacente uma filosofia baseada na liberdade de o mesmo poder ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído práticamente sem restrição! De acordo com Richard Stallman, conhecido como pai do Software Livre, o movimento tem um caracter político, social e de solidariedade. A sua luta é pela igualdade de acesso a um bem, que é hoje essencial ao desenvolvimento da humanidade! Deste confronto, entre o software livre e o software privativo, os países pobres podem saír beneficiados, podendo ter acesso a programas gratuitos ou a muito baixo custo e de elevada fiabilidade. Pode ser que desse modo, possamos ter finalmente, a África colocada “online”!

domingo, 1 de abril de 2007

As Previsões de Jacques Attali para a África



O ex-conselheiro de François Miterrand, Jacques Attali, conhecido economista, politólogo, professor e escritor acaba de publicar mais um livro, com o título: “Une Bréve Histoire de L'Avenir”. Trata-se de um livro ao mesmo tempo fascinante e perturbador. Numa brilhante síntese histórica, política social científica e técnica, o autor retoma alguns temas dos seus anteriores livros, nomeadamente “Os Três Mundos” e “O Homem Nómada”, mergulhando nas raízes do passado histórico, com o objectivo de descobrir os caminhos que conduzem ao nosso futuro. Neste ensaio prospectivo e de reflexão estratégica Attali traça-nos um panorama do mundo de amanhã, que segundo ele, será um mundo policêntrico. No que se refere à África o autor faz uma previsão bastante pessimista, apontando algumas causas do insucesso do continente. Diz-nos Jacques Attali, que em 2025, a África terá mais de 1500 milhões de habitantes, e que a Nigéria, o Congo e a Etiópia estarão entre as dez nações mais populosas do mundo, e que apesar das enormes riquezas minerais ( 80% da platina, 40% dos diamantes, 20% do ouro e cobalto do existente na Terra, para além do petróleo, bauxite, ferro e outros recursos naturais ) e do papel que a China, a India, e outras potências, terão na aquisição dessas matérias-primas e no processo de desenvolvimento do continente a África continuará a não ser um actor económico de importância mundial. Attali prevê, que em 2025, o continente africano terá um PIB per capita inferior a ¼ da média mundial, e que metade dos africanos viverão com um rendimento inferior ao limiar da pobreza. Apenas a África do Sul, que ultrapassará o PIB per capita da Rússia, o Egipto, o Botswana e o Ghana, registarão elevados níveis de desenvolvimento. Os outros países de África viverão sob a ameaça de secessões territoriais, e divididos esses países correm o risco de se tornarem “ Não-Estados” ou Estados falhados. Face a este cenário catastrófico, as elites africanas continuarão a emigrar como no passado. As causas deste caos, segundo o autor, são o peso da história ( a punção humana em larga escala, que foi o tráfico negreiro), as pandemias e as mutações climáticas que estão já a acontecer. Mas a causa maior, de acordo com Attali, é a ausência de uma classe criativa, isto é, de financeiros, artistas, empresários, investigadores, portadores de inovações tecnológicas, institucionais e estéticas. O autor lembra-nos que o futuro, não se constrói apenas com as riquezas do subsolo, ou com os recursos naturais. O Futuro constrói-se sobretudo com a cabeça. O Futuro conquista-se através da Revolução da Inteligência, isto é, através da formação e da educação. No mundo dos próximos cincoenta anos, no mundo de amanhã, ( e mesmo nos dias de hoje ) a única e verdadeira riqueza será a massa cinzenta! É um esclarecido aviso, que os dirigentes e governantes africanos deverão tomar em conta, por forma a “esconjurar” as desgraças “profetizadas” neste trabalho de Jacques Attali.

quarta-feira, 28 de março de 2007

A Questão do Pedido de Desculpas pelo Tráfico Negreiro




A Grâ-Bretanha comemorou agora, mais precisamente a 25 de Março, os 200 anos da aprovação da lei da abolição do tráfego negreiro. Nesta data, o primeiro ministro Tony Blair proferiu uma alocução em que lamentou profundamente os sofrimentos causados pela escravatura! Logo a seguir, instalou-se a polémica! O arcebispo de Canterbury, e os bispos de York e das Indias Ocidentais, entendem que o 1º Ministro Tony Blair, não deveria limitar-se a um lamento, ainda que profundo, a propósito do horrendo negócio de seres humanos, levado a cabo por cidadãos britânicos durante três séculos. No entender dos bispos, o Primeiro Ministro deveria pedir desculpas aos africanos em nome da nação e do povo britânico. Esta questão de pedido de desculpas por actos cometidos por gerações anteriores, parece causar alguns “engulhos” a certos líderes europeus. E no entanto não é nada de novo! O papa João Paulo II fê-lo, em nome da igreja, pela posição assumida por esta, em relação aos judeus e em relação à escravatura! A própria Alemanha já pediu desculpas aos judeus pelo holocausto, cometido pelo regime nazi! Alguns argumentam que esse pedido de desculpas não faz sentido, já que assim sendo, também os africanos teriam de pedir desculpas aos próprios africanos, pois também participaram no processo de escravização! É de facto conhecido e sabido que alguns reis e régulos africanos vendiam escravos em troca de mercadorias trazidas por árabes e europeus para o escambo! É também conhecido o despotismo de muitos régulos em relação aos seus súbditos! Ninguém nega essa realidade histórica! Mas não generalizemos, pois não nos podemos esquecer que muitos dos escravos vendidos resultavam de guerras intertribais fomentadas e atiçadas pelos esclavagistas. Isso é um facto histórico irrefutável. Portanto o argumento invocado não tem cabimento! Em todos os processos de dominação há sempre alguns dominados colaboracionistas! Então o que leva a que os tão esperados pedidos de desculpas por causa do tráfico negreiro não tenham lugar? Qual a razão porque em relação aos africanos há tanta resistência? Mais uma razão de índole discriminatória? Não! Nada disso! Apenas por questões de ordem económica! A posição de Downing Street reflecte a preocupação que um pedido de desculpa, pelos erros cometidos há séculos, por longínquos antepassados, possa vir a dar lugar a um pedido de reparação, como aliás preconiza a Pan African Reparation Coalition! É essa a razão pela qual um pedido de desculpa formal não teve até agora lugar! Só por isso e apenas por isso! É ainda, e sempre, o vil metal a substituír-se aos valores éticos e morais!

quarta-feira, 21 de março de 2007

A Mercantilização da Água





Comemora-se amanhã, o Dia Mundial da Água! O 22 de Março deve ser um dia de reflexão sobre este bem essencial e fundamental à vida. Costuma dizer-se que a água é vida! E assim é de facto! A água representa a vida sob todas as suas formas. Todos os organismos vivos contêm em si, água: o corpo humano é constituído por 70% de água, os peixes 80, e as plantas entre 80 e 90%. O acesso à água é um problema global que diz respeito a domínios tão diversos como a saúde, a segurança alimentar ou às alterações climáticas. O seu aprovisionamento a toda a humanidade coloca enormes desafios. É que do total da água existente no nosso planeta apenas 2,5% é de água doce, e a maior parte desta, encontra-se sob a forma de gelo. Para abastecer os mais de 6 mil milhoes de habitantes da Terra, temos apenas 1% da água existente ou seja cerca de 200.000Km3. Mesmo assim, isso daria, numa distribuição equitativa, cerca de 15.000 litros de água por pessoa e por dia. Contudo este valor não reflecte a realidade, pois os recursos hídricos estão repartidos de modo muito desigual. Apenas dez países, detêm 66% da água mundial ( entre eles estão o Brasil, o Canadá e o Congo ). A África possui 10% das reservas mundiais, mas mais de trezentos milhões de africanos não têm acesso a água potável. O consuma médio de água na África Subsariana é de menos de 20 litros por pessoa e por dia, enquanto na Europa é de 200 litros, e no Canadá de 350. Sabe-se que a ausência de água potável é a primeira causa de morte e de doença em África e no mundo. Três milhões de crianças morrem por ano antes dos cinco anos, por falta de acesso a água potável. O paludismo, que representa uma das maiores epidemias mundiais, está ligado à existência de águas estagnadas, e por conseguinte à questão do saneamento. As populações mais afectadas pela falta de água potável são as das zonas rurais e periurbanas, e no seio destas, são as mulheres e as crianças que asseguram, em detrimento da sua escolaridade, o aprovisionamento de água. Perante este quadro, revelador de quanto falta fazer, para universalizar o abastecimento de água, há quem veja em tudo isto uma grande oportunidade de negócio. Com efeito as necessidades de investimento para que se possa atingir num horizonte de 25 anos, o serviço universal, são estimadas em 180 mil milhões de euros por ano, e isso é um atractivo para as empresas transnacionais. Além do mais, trata-se de um mercado em permanente expansão, acompanhando a evolução demográfica. A Organização Mundial do Comércio vem defendendo a privatização dos serviços públicos de distribuição de água e saneamento dentro da sua óptica de globalização neoliberal. A água já faz parte do Acordo da O.M.C. relativo aos Serviços. Isto significa fazer da água e do saneamento, uma mercadoria para venda, disponível apenas para aqueles que a podem pagar, e não um direito para todos. O Fórum Social Mundial vem defendendo o reconhecimento e a aplicação efectiva de um Direito Humano à água, que deverá ser assegurado por serviços geridos públicamente. A água não deve ser um mero negócio! É nossa profunda convicção, que se a mercantilização da água, na lógica predadora exploração-consumo, não fôr travada, as nossas sociedades, jamais conseguirão, que todos os seres humanos tenham acesso a água potável e ao saneamento básico, e poderemos vir a assistir à deterioração do estado ambiental do planeta! Privatizar a água é condenar milhões de seres humanos à pobreza, à doença e à morte, em África e no Mundo! Termino, citando João Guimarães Rosa: “A água de boa qualidade, é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”

quarta-feira, 14 de março de 2007

Guiné-Bissau: Governo de Consenso Nacional?



O que até há pouco parecia pouco provável, aconteceu! As três maiores forças políticas da Guiné-Bissau, o PAIGC, o PRS e o PUSD, acabam de assinar um Pacto de Estabilidade Política, e um Acordo de Estabilidade Governativa e Parlamentar, alterando assim, de forma profunda o actual cenário político guineense! A possibilidade de o país vir a ter um governo de amplo consenso nacional, já era falado nos bastidores políticos guineenses, de há uns meses a esta parte, e seria, na opinião de muitos, o corolário natural, da auscultação que o Senhor Presidente da República tem vindo a efectuar à sociedade guineense. Tal porém não aconteceu, apesar de ser uma das saídas possíveis para o processo de reconciliação nacional, e de estabilização do país! Este pacto relança de novo essa possibilidade! Resta contudo saber, se a nível interno, as três forças políticas, conseguiram ultrapassar as cisões, e se os deputados que integram o Fórum de Convergência para o Desenvolvimento, sustentáculo do actual executivo, passaram a alinhar com a direcção dos seus respectivos partidos e consequentemente se sujeitam à disciplina de voto. Se tal fôr o caso, estamos perante um acordo político histórico, pois pela primeira vez na história da Guiné-Bissau se consegue um tão amplo consenso político-partidário. Dando por certo todos estes pressupostos, resta saber qual vai ser o “ modus operandi” que conduza à queda do actual governo e a indigitação de um novo primeiro ministro. A dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições legislativas antecipadas é um cenário a descartar, por razões bem óbvias, e que se prendem entre outras, com a falta de recursos financeiros. Resta-nos a solução parlamentar, através da votação no plenário quer do OGE que se encontra em discussão na actual sessão legislativa, ou da votação de uma moção de censura ao actual governo! Em qualquer desses casos, é possível proceder-se à clarificação do peso político das forças em presença, isto é dos apoiantes do governo e dos apoiantes da oposição. Concretizando-se a queda do governo e a indigitação de um novo primeiro ministro pelo Senhor Presidente da República, resta-nos saber qual irá ser o figurino do novo governo, quer em termos das personalidades que serão chamadas para os cargos governamentais, quer sobretudo em termos do programa de governo, que o novo executivo pretende implementar! Não basta a mudança de protagonistas, pois o mais importante, é a resposta que um novo governo deverá dar aos candentes problemas com que o país se confronta. E não são poucos! E também não são de fácil resolução! Alguns problemas, são de cariz estrutural, exigindo medidas de fundo e que podem mexer com interesses instalados; daí a necessidade de uma ampla base de apoio parlamentar e da própria sociedade civil, que permita o respaldo às acções governativas. É urgente que se altere o paradigma da governação no nosso país! Aos governantes, para além da competência e honestidade, exige-se um sentido de missão, o sentido do bem comum. É isso que os guineenses esperam! E acima de tudo, esperam que haja estabilidade e paz, sem as quais, não haverá condições para o verdadeiro progresso da nação guineense. O povo guineense está ávido por respostas concretas às suas mais elementares aspirações como sejam, melhor saúde, melhor educação, mais empregos; querem ver melhoradas as suas condições de vida! Em suma, o que todos os guineenses querem, é um governo, que governe para o bem do povo!

quarta-feira, 7 de março de 2007

Gana: Meio Século de Independência






O primeiro país da África Negra a libertar-se do jugo colonial, está em festa! O Gana comemora o 50º aniversário da sua independência, com toda a pompa e circunstância! Ilustres convidados participam no jubileu de ouro: o Duque de Kent, em representação da rainha Isabel II, 20 chefes de estado e numerosas personalidades da política da cultura das artes e do desporto. Acra, a capital, engalanou-se com símbolos nacionais com destaque para a “estrela negra” que Kwame Nkrumah, primeiro presidente do país, designava de farol, e guia não só do povo ganense, mas de toda a África! O sonho de Nkrumah, era fazer do Gana, uma referência, um exemplo, que estimulasse e fortalecesse os movimentos nacionalistas e emancipadoras do continente! Para este convicto panafricanista, seguidor da linha de pensamento de Edward W. Blyden de Henry Silvestre-Williams, de Marcus Garvey e de Du Bois, e autor de várias obras marcantes da década de sessenta, como “Africa Must Unite” - “A Africa Deve Unir-se”, e “ I Speak of Freedom” “Falo da Liberdade”, o futuro de África passaria antes de mais pelas independências nacionais a que se deveria seguir o processo de unificação num todo continental! Esta visão, que era partilhada por muitos líderes africanos, como Modibo Keita do Mali, Julius Nyerere da Tanzânia, Patrice Lumumba do Congo e Cheikh Anta Diop do Senegal conduziu a algumas experiências unitárias, que infelizmente não resultaram! Mas a semente ficou, e hoje, volta a ser um tema importante, no quadro dos objectivos da União Africana!
Volvidos cincoenta anos, é tempo de balanço, mas também tempo de perspectivar o Futuro! No seu relativamente curto mandato de pouco mais de oito anos, as realizações de Nkrumah foram assinaláveis: o aproveitamento do rio Volta e a construção da barragem de Akosombo, a construção do porto de Tema, a industrialização do país, e a expansão do ensino, figuram entre as mais importantes. Foi um período de grande fomento para o Ghana. Infelizmente alguma deriva autoritária e um certo culto de personalidade, ditaram o futuro do pai da independência ganesa e o paladino das independências africanas. Afastado por um golpe de estado em 1966, acabou por morrer no exílio em 1972 aos 62 anos. Seguiu-se um longo período de instabilidade, com golpes sucessivos, e governos alternando entre civis e militares! Foi um período negro da história do Gana! Nos últimos anos da presidência de Jerry Rawlings com a aprovação de uma nova Constituição criaram-se condições para a instauração de uma verdadeira democracia no país. A eleição de John Kufuor em 2000, permitiu ao Ghana entrar numa era de estabilidade e de franco progresso. Tem registado um crescimento sustentado, uma baixa inflação, e um aumento significativo das exportações. Gana, volta a ser uma forte esperança para o continente. Hoje já é citado como caso de sucesso em África! Mas é triste, contudo, constatar que depois de 50 anos de independência o país esteja de novo a recomeçar! Entretanto, perderam-se duas gerações!
A história do Gana, é uma história importante para a África! As circunstâncias da História fizeram com que continue a ser o símbolo do advento da libertação e da autodeterminação em África. Cincoenta anos de independência é um marco, e como primeiro país a a ganhar a sua liberdade, muitos observadores aproveitarão a oportunidade para avaliarem o sucesso ou os insucessos obtidos pelo Gana e com ele o continente. Serão colocadas questões latentes acerca da capacidade dos africanos gerirem os seus destinos! Infelizmente, o balanço da actuação da maioria dos líderes africanos, parece dar aos detractores da independência motivos para dizerem: “ Nós tínhamos avisado”!
Pese embora os vários factores que têm condicionado o desenvolvimento africano, seguramente que a África, tem capacidade de fazer mais e melhor, do que fez nestes primeiros cincoenta anos! “ O Gana não realizou os sonhos de 1957! A prossecução dos sonhos de um povo é uma caminhada sem fim!” quem o diz é o próprio presidente ganense John Kufuor.
Nesta hora de celebração, resta-nos a esperança que a nova geração, que virá a ter os destinos do continente em suas mãos, tenha aprendido com os erros do passado, e desse modo poderem forjar um Futuro mais promissor tanto para o Gana como para toda a África!

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Poluição e Morte em Abidjã: O Caso do Probo Koala





Faz agora seis meses, que o navio tanque Probo Koala, pertencente a um armador grego, arvorando pavilhão panamiano e com tripulação russa, atracou no porto de Abidjan, com 580 toneladas de carga, declarada como águas de lavagens dos porões ou os chamados “slops”.Este produto foi bombeado pela empresa marfinense Tommy e depois vazado em esgotos em 16 locais dos arredores da capital económica da Costa do Marfim. As consequências dessas descargas foram de imediato sentidas pela população, através do odor pestilento que emanava daquele efluente, e que provocava irritações nasais e oculares, dores no peito e de cabeça e mal-estar geral. O resultado foram milhares de pessoas intoxicadas, centenas de hospitalizações e 15 mortos, contabilizados até este momento! Analizados os produtos transportados pelo Probo Koala verificou-se que os mesmos continham sulfito de hidrogénio, mercaptans e soda cáustica. Uma combinação altamente tóxica e cancerígena. Perante esta catástrofe humana e ambiental, que resultou da negligência ou da corrupção dos agentes responsáveis pela trâmitação deste tipo de cargas, o 1º Ministro Charles Konan Banny, responsabilizou o governador do distrito de Abidjan, o director-geral das alfandegas e o director do porto autónomo de Abidjan, que foram suspensos após inquérito, ficando a aguardar julgamento. Ao mesmo tempo o governo moveu uma acção judicial contra a empresa Trafigura Beeher afretador do referido navio. Para Konan Banny, este caso deveria ser tratado de forma exemplar de modo a servir de símbolo do fim da impunidade na Costa do Marfim e ao mesmo tempo, transmitir uma mensagem clara à comunidade internacional e em especial aos países industrializados, que essas práticas não seriam mais toleradas. Banny, chegou mesmo a pedir a demissão,e a do seu governo, por considerar de extrema gravidade o escândalo do Probo Koala, uma atitude muito rara em África, tendo sido de novo indigitado para formar governo, em parte devido à pressão das N. Unidas e da comunidade Internacional.
Infelizmente, as boas intenções, com que este assunto foi tratado pelo 1º Ministro, Charles Konan Banny, foram goradas devido à actuação pouco ortodoxa do presidente Gbagbo! Recorde-se que Laurent Gbagbo, terminou o seu mandato em Outubro de 2005, mas em virtude da persistência do conflito interno, as Nações Unidas concordaram com a sua manutenção no poder, desde que fosse indigitado um 1º Ministro independente para dirigir um governo de unidade nacional, que criasse condições para novas eleições. Eleições essas que têm vindo a ser adiadas devido a manobras dilatórias do próprio presidente e do seu partido, a Frente Popular Marfinense ( FPI ). Pois bem, nesta questão do Probo Koala, Gbagbo, actuou como senhor todo poderoso, sem consultar o 1º Ministro, e indo ao arrepio das decisões por este tomadas.
Determinou a reintegração dos funcionários suspensos e que aguardavam a tramitação de processo judicial; e no dia 13 de Fevereiro deste ano, assinou um acordo amigável, com a Trafigura Beeher, em que esta empresa multinacional se compromete a pagar uma indemnização no valor de 152 milhões de Euros, em troca da desistência do processo judicial contra ela intentada pelo governo. Tudo isso feito sem participação ou conhecimento por parte das autoridades com responsabilidade na matéria!
E assim, as 15 vidas perdidas, e a saúde arruinada de milhares de marfinenses, acabaram por ser trocadas por alguns euros. Ainda que o montante possa parecer significativo, o valor da Vida Humana e a questão ética, deveriam estar acima da mera transação comercial. Convenhamos que todo este processo foi mal conduzido pelo Presidente da República. E como Chefe de Estado, Laurent Gbagbo deveria ser o primeiro defensor do interesse nacional!O que se pretendia com o processo judicial, tinha um duplo objectivo: por um lado, provar que ninguém estava acima da lei e que o fim da impunidade tinha finalmente chegado à Costa do Marfim; e por outro, obter uma justa reparação pelos danos causados ( que certamente seria bem maior do que a obtida no acordo amigável), e que a condenação, servisse de aviso a potenciais prevaricadores!
Seria uma boa forma de dizer ao Mundo que a Costa do Marfim e a própria África, não podem transformar-se na cloaca, dos países ricos e industrializados!