quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Trágico Caminho do "Eldorado Europeu"



Raro é o dia em que os meios de comunicação não noticiam a chegada ou a tentativa de chegada,‭ ‬de mais uma canoa apinhada de emigrantes‭ ‬às costas de um país europeu.‭ ‬As imagens chocam!Sobrelotando frágeis e precárias embarcações,‭ ‬chegam,‭ ‬quando chegam,‭ ‬num estado lastimável:‭ ‬desnutridos,‭ ‬desidratados,‭ ‬e doentes.‭ ‬Grande tem de ser a necessidade que leva estes nossos pobres irmãos a enfrentar tanto sofrimento e tamanha incerteza.‭ ‬Apesar dos esforços para combater a emigração clandestina,‭ ‬os fluxos continuam.‭ ‬De nada vale o Frontex,‭ ‬ou qualquer outra medida securitária ou de blindagem que tente transformar o velho continente numa fortaleza,‭ ‬pois a busca do‭ "‬eldorado europeu‭" ‬por parte dos povos do sul continua.‭ ‬E continuará, enquanto persistirem as razões que motivam essa emigração:‭ ‬o subdesenvolvimento,‭ ‬a pobreza escandalosa,‭ ‬e a desigualdade obscena.‭ ‬Ser imigrante não é própriamente ser um turista‭! ‬E sem papeis,‭ ‬ainda pior‭! ‬Contudo milhares,‭ ‬centenas de milhares, continuam a tentar a sorte todos os anos.‭ ‬Não lhes resta outro remédio se não tentar,‭ ‬ainda que os espere a morte nas águas do Atlântico,‭ ‬no estreito de Gilbraltar ou em qualquer outro ponto do Mediterrâneo.‭ ‬A pobreza a isso obriga.‭ ‬O principal argumento para cruzar o mar é a falta de oportunidades na sua terra natal.‭ ‬As dificuldades para encontrar trabalho apesar de alguns possuírem formação académica contribui para a‭ ‬fuga de cerebros‭ ‬para o Norte.‭ ‬O subdesenvolvimento de África,‭ ‬factor que motiva as migrações,‭ ‬é um facto denunciado por Kevin Watkins,‭ ‬autor do Relatório do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de‭ ‬2006.‭ ‬O relatório critica as actuais políticas comerciais de Ocidente que excluem os países mais pobres de competir no mercado por causa dos subsidios que a UE concede aos seus produtos agrícolas.‭ ‬Além disso,‭ ‬as políticas comerciais injustas foram permitidas por uma estrutura política africana que seguiu as‭ “‬receitas‭” ‬impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial convertendo o Estado naquilo que o professor de Relações Internacionais,‭ ‬Mbuji Kabunda,‭ ‬chama‭ ‬de‭ “‬um produto importado,‭ ‬e imposto de‭ ‬cima‭”‬.‭ ‬O Estado asumiu as regras do mercado sem fazer reformas sociais,‭ ‬e o resultado foi o‭ ‬incremento da pobreza,‭ ‬da desigualdade e da corrupção.‭ ‬A política proteccionista europeia e americana que marginaliza a África Subsariana do mercado mundial,‭ ‬e a falta de protecção dos cidadãos por parte do Estado,‭ ‬empobreceu a população e impulsionou os movimentos migratórios,‭ ‬com todo o rosário de dor e sofrimento que se conhece.‭ ‬Acrescente-se ainda,‭ ‬o facto de alguns estados africanos serem governados por políticos que pensam mais nos seus interesses pessoais,‭ ‬do que no povo que era suposto eles servirem.‭ ‬Sem qualquer perspectiva a uma vida condigna,‭ ‬ao povo só lhe resta partir.‭ ‬E assim se vão alimentando as máfias que dominam as rotas marítimas de imigração,‭ ‬a partir das costas de África,‭ ‬e que prometem como destino a Europa e o sonho de uma vida melhor.‭ ‬Infelizmente,‭ para muitos, o sonho transformar-se-á em sofrimento e morte‬.‭ ‬De acordo com ‭ ‬um recente estudo‭ da ‬Asociação Marroquina de Comunicação sobre os naufrágios de‭ ‬2007,‭ ‬publicado na Internet,‭ ‬estima-se que o número de desaparecidos se situe entre‭ ‬2500‭ ‬e‭ ‬3500‭,‭ ‬podendo ainda ser maior. É a silenciosa realidade trágica do continente africano.‭ ‬Há que pôr termo a esta nova bárbarie, que‭ d‬esta feita, não tem o chicote do capataz negreiro,‭ pois ‬não é preciso, a mão invisível da pobreza faz o seu trabalho.‭

quarta-feira, 18 de julho de 2007

"Rétrécisseur": Estranho Fenómeno no Senegal



No Senegal, nos dias que correm, cumprimentar por aperto de mão pode representar perigo para a integridade física de uma das partes! Não se trata de uma questão de higiéne, ou o perigo de transmissão de qualquer doença contagiosa! O risco que se corre é o de ser acusado pela outra parte, de ser um "rétrécisseur", isto é, uma pessoa que por artes mágicas, ou feitiçaria, faz minguar ou mesmo desaparecer o sexo da pessoa cumprimentada! A acusação, que acontece acto contínuo ao aperto de mão, desencadeia uma reacção agressiva não só do cumprimentado, mas dos circunstantes, e tem conduzido ao linchamento de várias pessoas, nestas últimas semanas um pouco por todo o Senegal, como nos dá conta a imprensa local e internacional (link). A maior incidência contudo tem-se verificado em Dakar, Mbour e Touba. O fenómeno é comum a ambos os sexos. Em Touba, no princípio de Julho, Malal Sow de 55 anos, foi agredido até à morte, depois de ter sido acusado de "rétrécisseur"; o último caso, foi relatado por Allioune Diop no L'Observateur de sábado passado 14 de Julho e ter-se-á passado em Mbour a sul de Dakar. As queixas acumulam-se nos comissariados de polícia, e vários processos sobre estes acontecimentos, correm os seus trâmites nos tribunais senegaleses. Este fenómeno já tinha sido registado no país, em 1997 com um balanço de 8 mortes e 36 feridos só em Dakar. Pode-se dizer que o Senegal, vive hoje uma psicose colectiva! E isso dá-nos que pensar e a questionarmos o porquê deste comportamento; o que leva as pessoas a acreditaram em algo que de facto não aconteceu? E a resposta é óbvia: tal comportamento prende-se com os aspectos culturais, com crenças, e a persistência da mentalidade mágica, tão vincada nos nossos povos! A mentalidade mágica não é uma característica particular dos africanos! Ela é comum a todos os povos! No entanto, face ao fraco desenvolvimento educacional, à elevada iliteracia, ela está ainda muito presente no continente africano. Essa permanência da mentalidade mágica na nossa sociedade, que se caracteriza por condutas como os acima descritos, parece tornar evidente a coexistência de dois mundos contraditórios, que se organizam segundo princípios opostos: o mundo da racionalidade e da lei e o mundo pré-ético e pré-político, ou seja a modernidade face ao arcaísmo. Esta realidade sócio-cultural mereceu uma atenção particular de Amílcar Cabral, que tratou do tema na sua obra, "A Arma da Teoria". Cabral esteve sempre atento aos aspectos da tradição cultural dos povos guineense e caboverdeano, como nos lembra Ana Maria Cabral na comunicação que fez no Smithonian Institution em Washington em 1995 ; diz Ana Maria: "Ele encarava com lucidez os aspectos mais díspares da tradição caboverdeana ou guineense não se coibindo de combater as superstições, tabus e outras manifestações do género que identificava como consequências do subdesenvolvimento económico, da falta do domínio dos fenómenos da natureza e da interpretação mágica do real vivido". Mário de Andrade, amigo e companheiro de Cabral, profundo conhecedor da sua obra, disse a este propósito que, "Cabral percebia a essência da mentalidade mágica de que está impregnado o espírito africano e o carácter ambivalente das crenças. Pedagogo, animou constantemente uma reflexão militante sobre as influências culturais negativas ligadas a factores regressivos do passado (superstição, tabu, ritos e costumes) e sobre a harmoniosa integração dos valores tradicionais em função do progresso moderno". Estas duas citações revelam a importancia que um dos grandes pensadores africanos como foi A. Cabral dava a essas questões e da necessidade de alteração de mentalidades. As reflexões de Cabral são ainda actualíssimas! Terá de haver um esforço redobrado no combate destes aspectos negativos da nossa cultura! Para tal, o papel da escola, da educação, é fundamental! Só com mais educação, a mentalidade mágica poderá evoluír para a mentalidade empírica e daí para a mentalidade lógica ou científica, e então registar-se uma efectiva dinâmica de transformação e progresso, nas nossas sociedades. Uma aposta na educação, no sentido lato do termo, será sempre uma aposta ganhadora, no combate ao subdesenvolvimento, terreno propício à prevalência de influências culturais negativas! A mentalidade mágica, é uma fonte de obscurantismo, e por consequência um obstáculo ao progresso. Para ultrapassar esse obstáculo, como diz a professora de psicologia da Universidade de São Paulo, Paula Montero: "terá de haver uma racionalização da magia!"

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Guiné-Bissau Dispensa Lugar na CEDEAO?



Na habitual consulta aos orgãos de comunicação, nomeadamente a jornais electrónicos, encontrei na sexta-feira passada, uma notícia que me deixou perplexo. A notícia, da agência Lusa, datada de 5 de Julho e veículada de Bissau, referia-se a uma hipotética cedência pela Guiné-Bissau, de um lugar que lhe pertence em termos estatutários na Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental - CEDEAO, a favor do Senegal, a troco de dinheiro! Esta questão, foi levantada na Assembleia Nacional pelo deputado do PUSD, Basílio Vadú, que terá tido conhecimento do facto aquando da recente visita parlamentar à Nigéria. Os valores avançados pela notícia, são de 2 mil milhões de FCFA, cerca de 3 milhões de Euros, relativo a financiamento daquela organização de integração regional, para pagar salários em atraso, e 500 milhões de FCFA ( cerca de 750.00 Euros ) oferecidos pelo Senegal como recompensa. A imprensa senegalesa terá mesmo reportado o caso, referindo-se ao bónus de 500 milhões de FCFA, e concluindo que por este caminho a “Guiné-Bissau se estava a transformar numa província do Senegal”.
A notícia é pouco esclarecedora, porquanto não se compreende o financiamento da CEDEAO como sendo um pagamento pela cedência do lugar ao Senegal, a não ser que tenha sido o resultado de um “lobbie” senegalês para o desbloqueamento do mesmo.
De qualquer modo, trata-se de um assunto que deve merecer um esclarecimento cabal por parte do Governo! Ainda que o caso tenha ocorrido na anterior governação, compete às autoridades averiguar o que de facto se passou, e esclarecer a opinião pública. A imagem que esta notícia passa, é extremamente negativa para a Guiné-Bissau! Se de facto aconteceu, deve ter havido ponderosas razões para tal, e então, isso deve ser explicado para que não reste qualquer suspeição sobre o caso!
A Guiné-Bissau é membro fundador da CEDEAO, e ao longo destes 32 anos de existência da Comunidade, tem ocupado os lugares que lhe compete no seio da organização. E isso é extremamente importante, por permitir defender os nossos interesses e os nossos pontos de vista, fornecer informações úteis sobre o conjunto dos países que integram a comunidade, e sobre os principais dossiers e programas em curso, facilitando aos organismos nacionais o tratamento das matérias relativas às políticas de integração económica e de defesa e segurança, em curso na comunidade.
Para além deste aspecto funcional, a designação de quadros nacionais para ocuparem cargos em organismos internacionais, só traz vantagens ao país. Antes do mais porque aumenta o traquejo internacional desses quadros, o que é uma mais valia; e por outro lado, é uma forma de garantir um “alfobre” onde a nação poderá ir buscar competências para as tarefas da governaça e da governação, sempre que fôr necessário. E por último, mas não menos importante, um país como a Guiné-Bissau, onde a falta de emprego é gritante, onde as expectativas de emprego para os quadros se resume à função pública, e a um ou outro organismo internacional instalado no país, e onde não abundam lugares de recuo para aqueles que terminam funções governamentais e de nomeação, não pode perder a oportunidade de os colocar em instituições internacionais, sempre que se lhe oferece oportunidade para tal. Parece que não foi este o caso, e deve haver uma razão! Qual? Cabe a quem de direito responder!

quarta-feira, 4 de julho de 2007

O Gana Festeja a Descoberta de Petróleo



O petróleo tanto pode ser uma benção como uma maldição! Tudo depende da utilização que se fizer da riqueza que ele proporciona. A Noruega e a Nigéria são exemplos dessa ambivalência! No caso da Noruega, temos o exemplo da boa gestão e utilização dos recursos petrolíferos, que é um modelo a nível mundial; relativamente à Nigéria, temos o que de pior existe na gestão dos recursos naturais, em que as enormes receitas provenientes do petróleo, têm proporcionado um ilícito enriquecimento de uma clique dirigente, em detrimento do desenvolvimento económico e social do país, que esses rendimentos poderiam e deveriam ter propiciado.
Vêm estas considerações a propósito da recente descoberta de petróleo no Gana! No ano em que o país comemora o 50º aniversário, o presente não poderia ser melhor! 600 milhões de barris de petróleo "light" foram descobertos no furo Mahogany, na costa ganesa, pela empresa Anadarko Petroleum Corporation, que fez o anúncio no passado dia 18 de Junho, secundado pela BBC que fez uma ampla reportagem sobre o assunto, no programa "Focus on Africa" de 19 de Junho. O país inteiro celebra a descoberta! De repente, os ganenses, jovens e velhos, sonham com um país mais próspero e com melhor bem-estar para todos. Já há quem veja um Gana convertido num " Leão Africano" com uma economia forte e dinâmica a exemplo dos " Tigres Asiáticos". Segundo notícias difundidas, abriram-se garrafas de champanhe no Castelo de Osu, sede do governo do Gana, onde o presidente John Kufuor comemorou o fausto acontecimento. Quem poderia criticar tal celebração, sabendo que se está perante a possibilidade de transformar o Gana de um país pobre numa sociedade abastada? O Gana tem vindo a registar nos últimos anos um progresso assinalável, e tem sido apontado como exemplo em África. Os indicadores económicos são encorajadores. Depois de anos de estagnação, a economia está a crescer graças às políticas implementadas pelo Governo de John Kufuor. Em 2006 Gana registou um crescimento de 6,2%, a inflação está em franca queda, e as taxas de juros dos empréstimos bancários que eram há cinco anos na ordem dos 50%, baixou para 20% e continua tendencialmente a baixar. Com um crescimento relativamente forte, a inflação em queda, e o saldo da balança de transações correntes positivo, permitiu ao país a constituição de reservas externas que fornece uma "almofada" contra eventuais "choques". O Gana registou uma enorme redução da subnutrição humana, passando de 1.790 calorias por dia e por pessoa nos anos 80, para mais de 2.800 calorias por dia e por pessoa, actualmente, graças ao aumento da produção agrícola e pecuária com introdução de espécies melhoradas e expansão de área cultivada. Hoje pode dizer-se que no Gana a democracia funciona e a economia comporta-se bem. Face a estes sucessos, e à estabilidade interna, a diáspora ganense tem acreditado no seu país, efectuando remessas, que atingiram em 2006 mais de 4 mil milhões de dólares americanos. Todo este relativo sucesso foi conseguido sem o petróleo! Por isso o presidente Kufuor, considera que com os recursos do petróleo o Ghana pode ambicionar novos vôos na senda do seu desenvolvimento. Contudo, pairam no ar incertezas! Nos meios de comunicação impressos e electrónicos, os ganenses preocupados perguntam aos seus líderes como podem estar seguros de que tudo isto não é uma miragem, e que venha acontecer o mesmo que na Nigéria, onde os cidadãos apenas ouvem falar em milhões de petrodólares e depois não se vêm boas escolas, boas estradas, nem hospitais que funcionem. O presidente Kufuor dissipou as dúvidas dizendo, "só idiotas ou gente sem valores poderia ter tido a quantidade de dinheiro que a Nigéria arrecadou com o petróleo e continuar a ser pobre". Tem toda a razão Senhor Presidente! Esperamos e desejamos que o Gana trilhe um caminho bem diferente, para que amanhã não se venha dizer, que o belo presente recebido pelo 50º aniversário, foi um presente envenenado.