quarta-feira, 28 de março de 2007

A Questão do Pedido de Desculpas pelo Tráfico Negreiro




A Grâ-Bretanha comemorou agora, mais precisamente a 25 de Março, os 200 anos da aprovação da lei da abolição do tráfego negreiro. Nesta data, o primeiro ministro Tony Blair proferiu uma alocução em que lamentou profundamente os sofrimentos causados pela escravatura! Logo a seguir, instalou-se a polémica! O arcebispo de Canterbury, e os bispos de York e das Indias Ocidentais, entendem que o 1º Ministro Tony Blair, não deveria limitar-se a um lamento, ainda que profundo, a propósito do horrendo negócio de seres humanos, levado a cabo por cidadãos britânicos durante três séculos. No entender dos bispos, o Primeiro Ministro deveria pedir desculpas aos africanos em nome da nação e do povo britânico. Esta questão de pedido de desculpas por actos cometidos por gerações anteriores, parece causar alguns “engulhos” a certos líderes europeus. E no entanto não é nada de novo! O papa João Paulo II fê-lo, em nome da igreja, pela posição assumida por esta, em relação aos judeus e em relação à escravatura! A própria Alemanha já pediu desculpas aos judeus pelo holocausto, cometido pelo regime nazi! Alguns argumentam que esse pedido de desculpas não faz sentido, já que assim sendo, também os africanos teriam de pedir desculpas aos próprios africanos, pois também participaram no processo de escravização! É de facto conhecido e sabido que alguns reis e régulos africanos vendiam escravos em troca de mercadorias trazidas por árabes e europeus para o escambo! É também conhecido o despotismo de muitos régulos em relação aos seus súbditos! Ninguém nega essa realidade histórica! Mas não generalizemos, pois não nos podemos esquecer que muitos dos escravos vendidos resultavam de guerras intertribais fomentadas e atiçadas pelos esclavagistas. Isso é um facto histórico irrefutável. Portanto o argumento invocado não tem cabimento! Em todos os processos de dominação há sempre alguns dominados colaboracionistas! Então o que leva a que os tão esperados pedidos de desculpas por causa do tráfico negreiro não tenham lugar? Qual a razão porque em relação aos africanos há tanta resistência? Mais uma razão de índole discriminatória? Não! Nada disso! Apenas por questões de ordem económica! A posição de Downing Street reflecte a preocupação que um pedido de desculpa, pelos erros cometidos há séculos, por longínquos antepassados, possa vir a dar lugar a um pedido de reparação, como aliás preconiza a Pan African Reparation Coalition! É essa a razão pela qual um pedido de desculpa formal não teve até agora lugar! Só por isso e apenas por isso! É ainda, e sempre, o vil metal a substituír-se aos valores éticos e morais!

quarta-feira, 21 de março de 2007

A Mercantilização da Água





Comemora-se amanhã, o Dia Mundial da Água! O 22 de Março deve ser um dia de reflexão sobre este bem essencial e fundamental à vida. Costuma dizer-se que a água é vida! E assim é de facto! A água representa a vida sob todas as suas formas. Todos os organismos vivos contêm em si, água: o corpo humano é constituído por 70% de água, os peixes 80, e as plantas entre 80 e 90%. O acesso à água é um problema global que diz respeito a domínios tão diversos como a saúde, a segurança alimentar ou às alterações climáticas. O seu aprovisionamento a toda a humanidade coloca enormes desafios. É que do total da água existente no nosso planeta apenas 2,5% é de água doce, e a maior parte desta, encontra-se sob a forma de gelo. Para abastecer os mais de 6 mil milhoes de habitantes da Terra, temos apenas 1% da água existente ou seja cerca de 200.000Km3. Mesmo assim, isso daria, numa distribuição equitativa, cerca de 15.000 litros de água por pessoa e por dia. Contudo este valor não reflecte a realidade, pois os recursos hídricos estão repartidos de modo muito desigual. Apenas dez países, detêm 66% da água mundial ( entre eles estão o Brasil, o Canadá e o Congo ). A África possui 10% das reservas mundiais, mas mais de trezentos milhões de africanos não têm acesso a água potável. O consuma médio de água na África Subsariana é de menos de 20 litros por pessoa e por dia, enquanto na Europa é de 200 litros, e no Canadá de 350. Sabe-se que a ausência de água potável é a primeira causa de morte e de doença em África e no mundo. Três milhões de crianças morrem por ano antes dos cinco anos, por falta de acesso a água potável. O paludismo, que representa uma das maiores epidemias mundiais, está ligado à existência de águas estagnadas, e por conseguinte à questão do saneamento. As populações mais afectadas pela falta de água potável são as das zonas rurais e periurbanas, e no seio destas, são as mulheres e as crianças que asseguram, em detrimento da sua escolaridade, o aprovisionamento de água. Perante este quadro, revelador de quanto falta fazer, para universalizar o abastecimento de água, há quem veja em tudo isto uma grande oportunidade de negócio. Com efeito as necessidades de investimento para que se possa atingir num horizonte de 25 anos, o serviço universal, são estimadas em 180 mil milhões de euros por ano, e isso é um atractivo para as empresas transnacionais. Além do mais, trata-se de um mercado em permanente expansão, acompanhando a evolução demográfica. A Organização Mundial do Comércio vem defendendo a privatização dos serviços públicos de distribuição de água e saneamento dentro da sua óptica de globalização neoliberal. A água já faz parte do Acordo da O.M.C. relativo aos Serviços. Isto significa fazer da água e do saneamento, uma mercadoria para venda, disponível apenas para aqueles que a podem pagar, e não um direito para todos. O Fórum Social Mundial vem defendendo o reconhecimento e a aplicação efectiva de um Direito Humano à água, que deverá ser assegurado por serviços geridos públicamente. A água não deve ser um mero negócio! É nossa profunda convicção, que se a mercantilização da água, na lógica predadora exploração-consumo, não fôr travada, as nossas sociedades, jamais conseguirão, que todos os seres humanos tenham acesso a água potável e ao saneamento básico, e poderemos vir a assistir à deterioração do estado ambiental do planeta! Privatizar a água é condenar milhões de seres humanos à pobreza, à doença e à morte, em África e no Mundo! Termino, citando João Guimarães Rosa: “A água de boa qualidade, é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba”

quarta-feira, 14 de março de 2007

Guiné-Bissau: Governo de Consenso Nacional?



O que até há pouco parecia pouco provável, aconteceu! As três maiores forças políticas da Guiné-Bissau, o PAIGC, o PRS e o PUSD, acabam de assinar um Pacto de Estabilidade Política, e um Acordo de Estabilidade Governativa e Parlamentar, alterando assim, de forma profunda o actual cenário político guineense! A possibilidade de o país vir a ter um governo de amplo consenso nacional, já era falado nos bastidores políticos guineenses, de há uns meses a esta parte, e seria, na opinião de muitos, o corolário natural, da auscultação que o Senhor Presidente da República tem vindo a efectuar à sociedade guineense. Tal porém não aconteceu, apesar de ser uma das saídas possíveis para o processo de reconciliação nacional, e de estabilização do país! Este pacto relança de novo essa possibilidade! Resta contudo saber, se a nível interno, as três forças políticas, conseguiram ultrapassar as cisões, e se os deputados que integram o Fórum de Convergência para o Desenvolvimento, sustentáculo do actual executivo, passaram a alinhar com a direcção dos seus respectivos partidos e consequentemente se sujeitam à disciplina de voto. Se tal fôr o caso, estamos perante um acordo político histórico, pois pela primeira vez na história da Guiné-Bissau se consegue um tão amplo consenso político-partidário. Dando por certo todos estes pressupostos, resta saber qual vai ser o “ modus operandi” que conduza à queda do actual governo e a indigitação de um novo primeiro ministro. A dissolução da Assembleia Nacional e a convocação de eleições legislativas antecipadas é um cenário a descartar, por razões bem óbvias, e que se prendem entre outras, com a falta de recursos financeiros. Resta-nos a solução parlamentar, através da votação no plenário quer do OGE que se encontra em discussão na actual sessão legislativa, ou da votação de uma moção de censura ao actual governo! Em qualquer desses casos, é possível proceder-se à clarificação do peso político das forças em presença, isto é dos apoiantes do governo e dos apoiantes da oposição. Concretizando-se a queda do governo e a indigitação de um novo primeiro ministro pelo Senhor Presidente da República, resta-nos saber qual irá ser o figurino do novo governo, quer em termos das personalidades que serão chamadas para os cargos governamentais, quer sobretudo em termos do programa de governo, que o novo executivo pretende implementar! Não basta a mudança de protagonistas, pois o mais importante, é a resposta que um novo governo deverá dar aos candentes problemas com que o país se confronta. E não são poucos! E também não são de fácil resolução! Alguns problemas, são de cariz estrutural, exigindo medidas de fundo e que podem mexer com interesses instalados; daí a necessidade de uma ampla base de apoio parlamentar e da própria sociedade civil, que permita o respaldo às acções governativas. É urgente que se altere o paradigma da governação no nosso país! Aos governantes, para além da competência e honestidade, exige-se um sentido de missão, o sentido do bem comum. É isso que os guineenses esperam! E acima de tudo, esperam que haja estabilidade e paz, sem as quais, não haverá condições para o verdadeiro progresso da nação guineense. O povo guineense está ávido por respostas concretas às suas mais elementares aspirações como sejam, melhor saúde, melhor educação, mais empregos; querem ver melhoradas as suas condições de vida! Em suma, o que todos os guineenses querem, é um governo, que governe para o bem do povo!

quarta-feira, 7 de março de 2007

Gana: Meio Século de Independência






O primeiro país da África Negra a libertar-se do jugo colonial, está em festa! O Gana comemora o 50º aniversário da sua independência, com toda a pompa e circunstância! Ilustres convidados participam no jubileu de ouro: o Duque de Kent, em representação da rainha Isabel II, 20 chefes de estado e numerosas personalidades da política da cultura das artes e do desporto. Acra, a capital, engalanou-se com símbolos nacionais com destaque para a “estrela negra” que Kwame Nkrumah, primeiro presidente do país, designava de farol, e guia não só do povo ganense, mas de toda a África! O sonho de Nkrumah, era fazer do Gana, uma referência, um exemplo, que estimulasse e fortalecesse os movimentos nacionalistas e emancipadoras do continente! Para este convicto panafricanista, seguidor da linha de pensamento de Edward W. Blyden de Henry Silvestre-Williams, de Marcus Garvey e de Du Bois, e autor de várias obras marcantes da década de sessenta, como “Africa Must Unite” - “A Africa Deve Unir-se”, e “ I Speak of Freedom” “Falo da Liberdade”, o futuro de África passaria antes de mais pelas independências nacionais a que se deveria seguir o processo de unificação num todo continental! Esta visão, que era partilhada por muitos líderes africanos, como Modibo Keita do Mali, Julius Nyerere da Tanzânia, Patrice Lumumba do Congo e Cheikh Anta Diop do Senegal conduziu a algumas experiências unitárias, que infelizmente não resultaram! Mas a semente ficou, e hoje, volta a ser um tema importante, no quadro dos objectivos da União Africana!
Volvidos cincoenta anos, é tempo de balanço, mas também tempo de perspectivar o Futuro! No seu relativamente curto mandato de pouco mais de oito anos, as realizações de Nkrumah foram assinaláveis: o aproveitamento do rio Volta e a construção da barragem de Akosombo, a construção do porto de Tema, a industrialização do país, e a expansão do ensino, figuram entre as mais importantes. Foi um período de grande fomento para o Ghana. Infelizmente alguma deriva autoritária e um certo culto de personalidade, ditaram o futuro do pai da independência ganesa e o paladino das independências africanas. Afastado por um golpe de estado em 1966, acabou por morrer no exílio em 1972 aos 62 anos. Seguiu-se um longo período de instabilidade, com golpes sucessivos, e governos alternando entre civis e militares! Foi um período negro da história do Gana! Nos últimos anos da presidência de Jerry Rawlings com a aprovação de uma nova Constituição criaram-se condições para a instauração de uma verdadeira democracia no país. A eleição de John Kufuor em 2000, permitiu ao Ghana entrar numa era de estabilidade e de franco progresso. Tem registado um crescimento sustentado, uma baixa inflação, e um aumento significativo das exportações. Gana, volta a ser uma forte esperança para o continente. Hoje já é citado como caso de sucesso em África! Mas é triste, contudo, constatar que depois de 50 anos de independência o país esteja de novo a recomeçar! Entretanto, perderam-se duas gerações!
A história do Gana, é uma história importante para a África! As circunstâncias da História fizeram com que continue a ser o símbolo do advento da libertação e da autodeterminação em África. Cincoenta anos de independência é um marco, e como primeiro país a a ganhar a sua liberdade, muitos observadores aproveitarão a oportunidade para avaliarem o sucesso ou os insucessos obtidos pelo Gana e com ele o continente. Serão colocadas questões latentes acerca da capacidade dos africanos gerirem os seus destinos! Infelizmente, o balanço da actuação da maioria dos líderes africanos, parece dar aos detractores da independência motivos para dizerem: “ Nós tínhamos avisado”!
Pese embora os vários factores que têm condicionado o desenvolvimento africano, seguramente que a África, tem capacidade de fazer mais e melhor, do que fez nestes primeiros cincoenta anos! “ O Gana não realizou os sonhos de 1957! A prossecução dos sonhos de um povo é uma caminhada sem fim!” quem o diz é o próprio presidente ganense John Kufuor.
Nesta hora de celebração, resta-nos a esperança que a nova geração, que virá a ter os destinos do continente em suas mãos, tenha aprendido com os erros do passado, e desse modo poderem forjar um Futuro mais promissor tanto para o Gana como para toda a África!