sexta-feira, 18 de setembro de 2015

E agora?

E agora? Volvidos vinte e seis meses, o período de transição que se seguiu ao golpe de Estado de 12 de abril de 2012 chegou ao fim, com a realização de eleições legislativas e presidenciais, e com elas o retorno do país à legitimidade constitucional! As novas autoridades democraticamente eleitas, já entraram em funções, e preparam-se agora para enfrentar ciclópicas tarefas, que resultam de um país estilhaçado e de um Estado quase aniquilado, que é necessário pôr a funcionar. A Guiné-Bissau, tem um enorme potencial para uma verdadeira e sustentada descolagem da sua economia! Para tal, não basta a boa vontade! Torna-se necessária uma visão para o país, capacidade de liderança, e criação de instituições capazes de dar corpo às políticas que vierem a ser definidas. Felizmente para a Guiné-Bissau, quer o Presidente da República, quer o Primeiro-ministro, são pessoas com preparação técnica e política, capazes de liderar e levar por diante o pesado fardo que representa a governação de um país na situação em que ela se encontra. Entende-se aqui, por governação, não apenas as ações levadas a cabo pelo poder executivo, mas por todos os atores que participam nas decisões públicas. Governar, é proceder a escolhas, e fixar prioridades, no quadro de uma programação que trace as grandes linhas de ação governativa. Para que essa ação tenha consistência e coerência, é imprescindível que se leve a cabo uma análise do país em termos de se conhecer quais são os seus pontos fortes, as suas fraquezas, as oportunidades que se lhe oferece, e as ameaças existentes e potenciais que sobre ele impendem. Este tipo de análise conhecida como análise SWOT, acrónimo em inglês para Strengths, Weaknesses, Opportunities, and Threats, e FOFA em português, é uma ferramenta de gestão muito utilizada pelas empresas para o diagnóstico e planeamento estratégico, mas que se tem revelado de grande utilidade na governança de um país. Embora o termo governança derive do termo governo, pode ter várias interpretações, dependendo do enfoque. Segundo o Banco Mundial, “governança é a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e económicos de um país visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planear, formular e programar políticas e cumprir funções”. Pelo o que atrás se disse, recomendo vivamente a utilização na Guiné-Bissau, dessa ferramenta, que associada a uma versão melhorada do Documento de Estratégia Nacional para a Redução da Pobreza – DENARP, poderá constituir uma boa base de programação/planeamento, permitindo assim a existência de uma linha de rumo, a introdução de objetivos futuros em todas as decisões do presente e, em simultâneo a eliminação de pontos fracos e antecipação de ameaças do exterior, possibilitando o desenvolvimento da organização, através da definição de estratégias para o melhor aproveitamento das oportunidades. O processo de desenvolvimento não pode nem deve ser matéria exclusiva do governo! Todos os parceiros sociais são necessários para este esforço! Daí a necessidade de se criar um ambiente propício, em que cada parceiro, cada cidadão se sinta comprometido com o processo! Para gerar e manter esse elã coletivo é indispensável a existência de boas políticas, de instituições adequadas, de boas práticas governativas, e de uma boa liderança política, que permita enfrentar com coragem e determinação os conflitos inerentes ao funcionamento da sociedade, por forma a promover uma verdadeira paz social, bem essencial e indispensável ao desenvolvimento. Mas que desenvolvimento? Um desenvolvimento que esteja ao serviço da pessoa humana! Um desenvolvimento que permita a todos os cidadãos satisfazer as suas necessidades básicas de alimentação, saúde, habitação e educação, assim como dispor de tempo suficiente para desfrutar da cultura e das artes, ter relações sociais enriquecedoras, tornar realidade suas vocações legítimas em qualquer âmbito que elegerem, e igualmente ter tempo livre para o descanso. Este deve ser o modelo a seguir, em contraposição ao modelo de desenvolvimento baseado num puro produtivismo e consumismo, que não diminui a pobreza, e é destruidor do ser humano, do meio ambiente, e da coesão e solidariedade sociais. O crescimento económico não é desenvolvimento, embora o crescimento seja condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento! O crescimento económico só por si, não garante o desenvolvimento nem a diminuição da pobreza. Sobre esta matéria há exemplos paradigmáticos como é o caso da Guiné Equatorial que tem um PIB per capita de cerca de 30 mil dólares americanos, mas onde 75% da população vive com menos de 2,0 dólares por dia. Para haver desenvolvimento é necessário que os ganhos do crescimento, beneficiem toda a nação! E isso só é possível através de políticas sociais, que promovam uma mais justa distribuição do rendimento nacional. Postas estas breves considerações, termino com o questionamento, que dá título a esta secção do Polon: e agora? Agora! mãos à obra meus senhores, que se faz tarde!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Propósito de "Nha Bijagó - Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense" de A. J. Estácio



PREFÁCIO

Mais um trabalho que António Júlio Estácio dá à estampa, tendo como objecto uma figura marcante da sociedade guineense, desta feita “Nha Bijagó”, nome pelo qual ficou conhecida Leopoldina Ferreira. Quem foi esta senhora e o que fez ela para merecer figurar em obra impressa? Isso é o que o leitor irá descobrir ao longo de mais de centena e meia de páginas deste livro que o autor intitulou “Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959). A própria escolha do título já é em si reveladora da razão que motivou António Júlio Estácio a biografá-la! Nha Bijagó foi de facto, uma respeitada personalidade do seu tempo socialmente bastante influente e uma verdadeira matriarca. Abastada, mas sóbria, mulher de rígidos princípios éticos, foi de certo modo, um modelo para os seus concidadãos.
Ao ler este livro não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX. Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos, nomeadamente os europeus. Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras. Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.
“Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959), é o resultado de um longo trabalho de pesquisa que António Júlio Estácio desenvolveu ao longo de vários anos, com uma enorme dedicação e até paixão, mas sempre com rigor e respeito pela verdade dos factos, a que já nos habituou. Compulsou milhares de documentos, não apenas relacionadas com Leopoldina Ferreira, mas também relativos aos principais acontecimentos que tiveram lugar no período coevo da biografada. Registou dezenas de depoimentos e deslocou-se propositadamente à Guiné-Bissau, para “in loco” recolher mais informações, de modo a poder complementar, confirmar ou infirmar os elementos já recolhidos. E o resultado de todo esse esforço, é este livro!
Não estamos perante uma biografia no sentido clássico do termo, isto é, um género literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas de forma mais ou menos objectiva, e muitas vezes romanceada. António Júlio Estácio, preferiu manter-se “neutro” interferindo o mínimo possível na narrativa dos depoentes, limitando-se a clarificar aqui e acolá alguns aspectos contraditórios ou menos precisos e desse modo fornecer ao leitor um retrato tão fiel quanto possível dessa grande senhora que foi a “Nha Bijagó” feito através dos testemunhos daqueles que a conheceram e que com ela privaram, e ainda de documentos oficiais que atestam aspectos relevantes da sua vida.
Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de Nha Bijagó. Por esse motivo, este trabalho biográfico, para além de nos dar a conhecer a vida de uma grande mulher guineense que foi a Nha Bijagó, fornece-nos importantes informações do mundo em que ela viveu! Através dos diversos depoimentos sobre a Nha Bijagó recolhidos pelo autor, ficamos a conhecer não apenas os aspectos essenciais da sua vida, mas também um pouco da vida social na então colónia da Guiné e muito particularmente em Bissau, na primeira metade do século XX.
Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer!

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Recordando Martin Luther King Jr.





Martin Luther King Junior completaria hoje setenta e nove anos de idade, se uma bala assassina, não lhe tivesse retirado a vida no dia 4 de Abril de 1968 na cidade de Memphis no Tennessee. Tinha apenas 39 anos!
Luther King, é sem sombra de dúvidas, uma das figuras mais proeminentes da história americana do séc.XX! Esta notoriedade advem-lhe do papel que desempenhou numa das grandes transformações que a sociedade americana sofreu no séc. passado, que foi o fim descriminação racial institucionalizado, de que eram as principais vítimas os afro-americanos! Mas o combate que Luther King travou teve uma característica, que não sendo inédita, revelou ser de uma grande eficácia. À violência do opressor, o Movimento dos Direitos Civis que ele dirigia, em vez de responder com os mesmos argumentos, opôs a resistência pacífica! Sendo um pastor da Igreja Baptista, um homem profundamente religioso, com uma formação que ia para além das questões teológicas, ( obtida no seminário de Crozer em Chester na Pensylvania ), Martin Luther King era também sociólogo pela Universidade de Boston, o que lhe dava bases para o conhecimento e intrepretação do meio social e da idiossincrasia da sociedade americana de então, sobretudo do "Deep South" ( no Sul Profundo da América ), onde pontuavam as leis de Jim Crow. A opção pela resistência pacífica, que resultava da sua formação religiosa e dos estudos que fizera das obras de Mahatma Ghandi, encontrou uma grande oposição, sobretudo entre os jovens afro-americanos, que defendendo métodos mais radicais, se identificavam com os ideais do movimento Black Power de Stokely Carmichael e de Willie Ricks! Apesar de tudo, o discurso persuasivo de King, a sua determinação e resistência, e graças ao apoio de vários líderes locais, levaram a que o Movimento de Direitos Civis tivesse uma enorme adesão em todo o país, como ficou demonstrado aquando da Marcha de Washington a 28 de Agosto de 1963, que reúniu no Washington Mall mais de 250 mil pessoas de todas as cores, credos e raças, e onde Luther King proferiu um dos seus mais brilhantes discursos: "I Have a Dream". Ao recordarmos Martin Luther King, não podemos deixar de nos lembrar de Rosa Parks que protagonizou em 1 de Dezembro de 1955 um acto que veio a revelar-se decisivo, no movimento dos direitos cívicos e que projectou a liderança do Rev. Luther King. Ao recusar ceder o seu lugar a um passageiro branco num autocarro em Montgomery (Alabama) Rosa Parks despoletou uma das maiores e mais eficazes acções de massas dos Estados Unidos, o boicote aos autocarros pela população negra da cidade, que durou 381 dias e acabou com o fim da segregação nos transportes públicos no Estado de Alabama. Foi nesse período que a capacidade de organização e liderança do Dr. King, se revelou em toda a sua dimensão. A partir daí, a sua acção tomou tal magnitude, que o projectou da sua pequena paróquia em Montgomery para toda a nação e para o mundo!
Mas neste momento em que estamos a celebrar a data do seu nascimento, 15 de Janeiro de 1929, mais do que efectuarmos uma descrição biográfica deste grande lutador e paladino dos direitos cívicos, interessa conhecer o legado que nos deixou, e em que medida esse legado influenciou e influencia os movimentos de cidadania dos tempos de hoje! Antes de tudo há que desfazer um equívoco, em que muitos caem na análise do perfil de Luther King, ao fazerem-nos crer que ele era um sonhador e que o seu legado histórico não tem relevância para o nosso tempo! Ambas as posturas, a de sonhador e da irrelevância são incorrectas! Martin Luther King não era um sonhador inconsequente, mas um líder religioso muito realista com os pés bem assentes na terra! Tinha um sonho, um ideal de poder ver um mundo diferente, com mais igualdade social, económica, política, religiosa e racial. Ou seja, acreditava na completa liberdade dos seres humanos, mas essa liberdade devia ser conquistada como diz numa carta escrita da prisão em Birmingham em 1963. " a liberdade nunca é dada voluntáriamente por quem nos oprime, ele tem de ser exigida, conquistada, por quem está a ser oprimido ". Luther King foi mais longe quando ao analizar o fenómeno social da liberdade, refutou o tipo de religião que se apregoa aos pobres, aos oprimidos e excluídos sociais, para que se mantenham na inércia, no conformismo, no derrotismo e no fatalismo! Por isso no seu livro "Where do we go from here: Chaos or Community? " escrito em 1967, ao reflectir sobre a liberdade diz claramente: " a liberdade não se ganha através da aceitação passiva do sofrimento! A liberdade ganha-se lutando contra o sofrimento. " e ainda na mesma obra diz: "... um movimento social, que apenas move as pessoas, é meramente uma revolta. Um movimento que muda as coisas, as pessoas e as instituições, é uma revolução". Por isso, pode-se considerar, que o Dr. Martin Luther King foi um revolucionário! Por não ter sido um conformista, nem um fatalista, não ter aceite a passividade, mas antes ter ido à luta e ao combate pelas causas que defendia! Não tendo usado de meios violentos, nem por isso deixou de alcançar os objectivos propugnados por aqueles que defendiam métodos mais radicais e ortodoxos! O exemplo de Martin Luther King, é uma grande lição de vida, e um ensinamento, que deve ser seguido, nestes tempos difíceis que correm, pelas sociedades civis que um pouco por todo o mundo, vêm lutando pela dignificação do Homem!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A África Perante os Acordos de Parceria Económica


Quando os países desenvolvidos como a Grã-Bretanha e o Estados Unidos da América, ainda estavam em desenvolvimento, não implementaram nenhuma das políticas de livre comércio que actualmente preconizam. Seu avanço tecnológico foi garantido por políticas protecionistas.
Ha-Joon Chang, Prof. de Economia do Desenvolvimento na Univ. de Cambridge


Por coincidência, o I Fórum de Diálogo e Intercâmbio da Diáspora Guineense em Portugal, decorre na mesma data de um importante acontecimento, que muito tem a ver com a vida dos africanos em geral, e muito em particular com a questão das migrações, que é a II Cimeira União Europeia-África. Este facto, deu-me motivo para fazer uma abordagem das consequências que advirão para o continente africano, nomeadamente no domínio económico e consequentemente sobre os fluxos migratórios, com a aplicação da nova estratégia aprovada pelos Chefes de Estado e de Governo da União Europeia em Dezembro de 2005, com o título: " The EU and Africa: Towards a Strategic Partnership " ( A União Europeia e a África: Para uma Parceria Estratégica ), e que servirá de base para a elaboração de dois documentos, "A Estratégia Conjunta" e de "O Plano de Acção" que moldarão a nova parceria entre a União Europeia e a África, e que deverão ser aprovados nesta cimeira de Lisboa.

Com a presente cimeira a Europa pretende introduzir profundas alterações, na sua política de cooperação com o continente africano, nomeadamente pondo fim, à filosofia que a norteou até agora, a chamada "cooperação assimétrica", ""em que eram concedidos vantagens aos países que foram antigas colónias europeias, sem exigência de qualquer reciprocidade. Esta filosofia cujo melhor exemplo é a cooperação UE - Países ACP ( África, Caraíbas e Pacífico ), que vigora desde 1975 com a assinatura da 1ª Convenção de Lomé, verá o seu fim em 31 de Dezembro do corrente ano, conforme está previsto no Acordo de Cotonu assinado em Junho de 2000. De um modo geral, o que estes acordos preconizavam, era a facilitação de entrada dos produtos ACP no mercado europeu, através de isenções, ou reduções dos direitos aduaneiros, sem que o inverso, isto é as exportações europeias beneficiassem desse tratamento. Por isso se chama, de cooperação assimétrica. As referidas convenções dão um tratamento preferencial aos países menos avançados ( PMA), para os quais se abria totalmente o mercado da União Europeia, através do princípio " tudo menos armas ".

Pretendia-se desse modo, incrementar o comércio externo desses países, com todos os benefícios daí advenientes para o desenvolvimento económico e social. Embora se possam fazer algumas críticas a essa cooperação comercial, nomeadamente quanto à existência de barreiras não pautais como sejam a complexidade na condição da sua utilização, o protecionismo regulamentar ( certificação de origem, e sanitária ) e agrícola europeia, que impediram que os países ACP tirassem partido dessas vantagens, pode-se dizer, que continha alguns aspectos benéficos para as economias desses países. Infelizmente, apenas alguns países souberam ou puderam tirar partido dessa facilitação, como foi o caso das Ilhas Maurícias e da Costa do Marfim. Este aspecto, serviu de pretexto para pôr termo à política de preferência, já que no dizer da UE, o balanço de mais de trinta anos da existência das convenções UE - ACP, não é encorajador, e não faz sentido prosseguir nessa linha de cooperação. Com efeito, a quota de mercado europeu dos produtos dos países ACP, passou de 7% em 1975, para os actuais 3%. Um outro factor que serviu de pretexto para o fim desse tipo de cooperação, é o facto do tratamento preferencial dado aos países ACP, não se coadunarem com as regras da Organização Mundial do Comércio ( OMC ), e esta exigir o seu fim.

Encontradas as "razões" para decretar a morte da Convenção de Lomé ( Acordo de Cotonu ), a União Europeia propõe em sua substituição os Acordos de Parceria Económica ( APE ) a serem celebrados com as seis regiões de integração económica regional, dos países de África Caraíbas e Pacífico a saber: região das Caraíbas, região do Pacífico, e quatro regiões em África ( CEDEAO - Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental + Mauritânia, CEMAC - Comunidade Económica e Monetária da África Central, SADC - Southern African Development Comunity e COMESA - Common Market of Eastern and Southern Africa ). Dos cinco pontos da agenda da II Cimeira UE - África, a saber 1) A Paz e a Segurança 2) A Democracia e os Direitos Humanos 3) O Comércio, as Infraestruturas e o Desenvolvimento 4) As Migrações 5) A Energia e as Alterações Climáticas, considero esta questão dos APE, a par da Democracia e Direitos Humanos, dos mais importantes, pelo impacto económico e social que irá ter no futuro do continente, e em particular nos países menos desenvolvidos. Ela será certamente abordada no ponto da agenda, Comércio, as Infraestruturas e o Desenvolvimento, e esperemos que os países africanos consigam se não a rejeição, pelo menos uma moratória na celebração dos referidos acordos, ou a inclusão de uma lista de produtos estratégicos a serem protegidos, e assim minimizar os efeitos nefastos dos APE nas nossas economias.

Mas o que são estes acordos de parceria económica, quais são os princípios que as norteiam e quais serão os impactos nos países africanos e concretamente para o nosso país a Guiné-Bissau? É isso que passaremos a analisar!

Os Acordos de Parceria Económica, baseiam-se no princípio do livre comércio, e têm caracter recíproco, isto é a abertura dos mercados africanos aos produtos europeus e recíprocamente a abertura do mercado europeu aos produtos africanos, em igualdade de circunstâncias. Trata-se no fundo, de pôr em prática, nos países em vias de desenvolvimento, um dos fundamentos do neoliberalismo, que desde os meados dos anos setenta do século XX, constitui a principal corrente do pensamento económico. Defende a União Europeia, sobretudo a Comissão, que desse modo, se criará nesses países um ambiente "virtuoso" que permitirá atraír investimentos, lutar contra a corrupção e a fuga de capitais. Se esses aspectos são importantes e indispensáveis ao desenvolvimento, a verdade é que os APE, têm o reverso da medalha, que são os impactos negativos sobre o tecido produtivo africano e consequentemente sobre o tecido social dos nossos países!

Vejamos alguns desses referidos impactos:

- impacto orçamental, devido ao desarmamento pautal, com fortes reduções e eliminação das taxas aduaneiras, que afectará os recursos dos países pobres, que têm nos direitos aduaneiros na importação o seu principal recurso financeiro;

- Impacto sobre a balança de transações correntes, provocando desequilíbrios cuja correcção, passará pela depreciação da moeda ou redução de gastos públicos;

- Impacto sobre o sector agrícola, pondo em causa a agricultura de subsistência, cuja existência e desenvolvimento, constituem o elemento-chave para o combate à pobreza, sobretudo em países predominantemente agrícolas;

- Impacto sobre o sector industrial, que poderá levar à desindustrialização, com o desaparecimento das pequenas e médias empresas, incapazes de competir com os produtos importados;

Quando o regime de livre comércio entrar em vigôr, a grande maioria dos países africanos não estará em condições de o suportar, devido às debilidades que as suas economias apresentam, nomeadamente nos domínios alimentar, de educação, de saúde, de infraestruturas, tecnológico e da poupança interna. Os problemas com que actualmente se debatem irão agravar-se por força do choque que o livre comércio irá produzir em todo o tecido económico e social desses países. A pobreza em vez de recuar, irá aumentar, devido ao desemprego, à falta de cuidados de saúde e de educação, e então, perante as horríveis condições de vida, assistir-se-á ao incremento dos fluxos migratórios em direcção à Europa. Estudos realizados pela CNUCED, pela FAO, pelo PNUD e pela CECA ( Comissão Económica para África) das Nações Unidas, apontam nesse sentido. Estamos, por conseguinte, perante uma política que pretendendo ter como objectivo central a erradicação da pobreza, como está consignado no artigo 1º do Acordo de Cotonu, acaba por ter resultados diametralmente opostos.

Os estudos mandados realizar pela Comissão Europeia, para avaliar os impactos dos APE,foram efectuados por país, isto é caso a caso, e sem dispôr de garantias sobre a seriedade desses estudos, pois não houve a supervisão de uma organização de reconhecida competência na matéria, como por exemplo a CNUCED ( Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento ). Por outro lado, é no mínimo, estranho que a Comissão não tenha uma avaliação de conjunto, sobre os efeitos do livre comércio. O estudo do impacto do APE na Guiné-Bissau, realizado pela empresa CESO - Consultores Internacionais em Julho de 2006, aponta, no caso de um desmantelamento total e imediato das barreiras aduaneiras, para uma perda de cerca de 40% de receitas no conjunto dos direitos aduaneiros, imposto especial de consumo, e imposto geral sobre vendas, que constituem o essencial da fiscalidade indirecta da Guiné Bissau. Recorde-se que a fiscalidade indirecta representa o grosso das receitas fiscais do país. Trata-se de um cenário quase catastrófico para o país, que se veria privado de uma parte significativa de receitas fiscais, com consequências nefastas, sobre o nível do fornecimento de bens e serviços públicos, já de si, insuficientes como o provam a incapacidade de o Estado pagar os salários e pensões da função pública, bem como a prestação de cuidados de saúde e educação. Se hoje a situação económico-financeira do país, já é de ruptura total, o cenário que nos espera no quadro da total liberalização do comércio, seria de catástrofe.

Como engodo, a Comissão Europeia, acena os países ACP, com financiamentos através do FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento, o instrumento financeiro da cooperação UE - ACP. É uma forma de pressão "suave" para constranger à assinatura dos APE, transformando a política de cooperação no princípio de "aid for trade" (ajuda por comércio). Trata-se de uma proposta desonesta, reconhecida por vários analistas económicos e políticos. A crítica mais contundente veio do seio da própria União Europeia, através de um relatório da Assembleia Nacional Francesa de 5 de Julho de 2006 sobre as negociações dos acordos de parceria económica, apresentado pelo deputado Jean-Claude Lefort. Pela importância e pertinência deste relatório, permito-me citar algumas passagens:

" ... se a Comissão persiste ( nas negociações dos APE ) a Europa cometerá um erro político, táctico, económico e geoestratégico.
Com efeito a questão que se coloca é: em que medida os APE ajudarão a África subsariana a atingir os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio adoptadas pela ONU em Setembro de 2000? Em nada, sabendo-se que alguns desses objectivos não serão atingidos por alguns países senão daqui a um século, de acordo com o PNUD. Poderemos nós assumir a responsabilidade de conduzir a África, que albergará dentro de alguns anos, o maior número de pessoas vivendo com menos de um dólar por dia, para um caos ainda maior, sob a capa de respeitar as regras da OMC - Organização Mundial do Comércio"? "
Num outro passo do citado relatório da Assembleia Nacional Francesa, os deputados recomendam:
" ...o regime actual de acesso das exportações dos países ACP ao mercado europeu deve ser mantido e acompanhado de um grande programa de assistência técnica nos domínios sanitários e fitosanitários, e a modernização do aparelho produtivo desses países;
...a liberalização das trocas comerciais com a União Europeia só deve ter lugar após uma fase de consolidação das uniões económicas e aduaneiras de África, Caraíbas e Pacífico."

Várias outras vozes se têm levantado contra os APE, desde as ONG's, às igrejas e suas organizações, como por exemplo a Caritas, os sindicatos, e outras organizações da sociedade civil. Todos são unânimes quanto à extemporaneidade da aplicação do livre comércio, no actual estádio de desenvolvimento dos países africanos ( excepção feita à África do Sul ). Trata-se de uma competição desigual, e com regras de jogo viciadas! Viciadas, porque as políticas de subsídios agrícolas da PAC ( Política Agrícola Comum ) da UE, permite a exportação de produtos abaixo do preço real, isto é em regime de "dumping" o que inviabiliza qualquer concorrência africana; viciadas, porque o grau de desenvolvimento dos países europeus em relação à maioria dos países africanos, dão-lhes clara vantagem competitiva. Usando uma metáfora, é como um combate de "boxe" em que os oponentes fossem um peso-pluma e um peso pesado, o desfecho está à vista, pois é mais do que previsível.
Assim, tendo em consideração que:

- a obrigação de liberalizar as trocas comerciais, nomeadamente dos produtos agrícolas, representa um perigo para a agricultura africana, que é ainda arcaica e baseada essencialmente em trabalho manual;

- a abertura dos mercados africanos às exportações da UE, em regime de reciprocidade, é fictícia, já que os produtos europeus chegam aos mercados de África, a preços artificialmente baixos;

- o acesso aos mercados de exportação não beneficiarão os pequenos produtores africanos, que são a maioria;

- os preços de exportação para os mercados europeus tendem a baixar devido à degradação dos termos de troca, como se tem verificado ao longo das últimas décadas, anulando desse modo todas os eventuais benefícios;

- a eliminação ou redução de direitos aduaneiros, provocará uma redução drástica das receitas públicas dos Estados, com consequências graves na prestação de serviços sociais básicos, e na capacidade de investimento;

Os Acordos de Parceria Económica deverão ser rejeitados, ou pelo menos suspensas as negociações de modo a permitir um período de debate e análise dos impactos sobre as economias dos países ACP e muito em particular dos países africanos. Para tal, o papel da sociedade civil, e das suas organizações é indispensável! Todos teremos de levantar as nossas vozes para evitar o "afundamento" do nosso continente! O paradigma da cooperação entre a Europa e a África tem que mudar, mas a alternativa que nos é apresentada, criará uma dependência ainda maior! Não queremos uma recolonização de África, e por isso, os APE nos moldes em que nos são propostos deverão merecer a nossa rejeição! Caso contrário, espera-nos o agravamento da situação económica e social dos nossos países, e assim sendo só nos resta partir, fugindo da pobreza da fome e da doença, engrossando as correntes migratórias em busca da ilusão do "El Dorado" europeu!

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Trágico Caminho do "Eldorado Europeu"



Raro é o dia em que os meios de comunicação não noticiam a chegada ou a tentativa de chegada,‭ ‬de mais uma canoa apinhada de emigrantes‭ ‬às costas de um país europeu.‭ ‬As imagens chocam!Sobrelotando frágeis e precárias embarcações,‭ ‬chegam,‭ ‬quando chegam,‭ ‬num estado lastimável:‭ ‬desnutridos,‭ ‬desidratados,‭ ‬e doentes.‭ ‬Grande tem de ser a necessidade que leva estes nossos pobres irmãos a enfrentar tanto sofrimento e tamanha incerteza.‭ ‬Apesar dos esforços para combater a emigração clandestina,‭ ‬os fluxos continuam.‭ ‬De nada vale o Frontex,‭ ‬ou qualquer outra medida securitária ou de blindagem que tente transformar o velho continente numa fortaleza,‭ ‬pois a busca do‭ "‬eldorado europeu‭" ‬por parte dos povos do sul continua.‭ ‬E continuará, enquanto persistirem as razões que motivam essa emigração:‭ ‬o subdesenvolvimento,‭ ‬a pobreza escandalosa,‭ ‬e a desigualdade obscena.‭ ‬Ser imigrante não é própriamente ser um turista‭! ‬E sem papeis,‭ ‬ainda pior‭! ‬Contudo milhares,‭ ‬centenas de milhares, continuam a tentar a sorte todos os anos.‭ ‬Não lhes resta outro remédio se não tentar,‭ ‬ainda que os espere a morte nas águas do Atlântico,‭ ‬no estreito de Gilbraltar ou em qualquer outro ponto do Mediterrâneo.‭ ‬A pobreza a isso obriga.‭ ‬O principal argumento para cruzar o mar é a falta de oportunidades na sua terra natal.‭ ‬As dificuldades para encontrar trabalho apesar de alguns possuírem formação académica contribui para a‭ ‬fuga de cerebros‭ ‬para o Norte.‭ ‬O subdesenvolvimento de África,‭ ‬factor que motiva as migrações,‭ ‬é um facto denunciado por Kevin Watkins,‭ ‬autor do Relatório do PNUD sobre o Índice de Desenvolvimento Humano de‭ ‬2006.‭ ‬O relatório critica as actuais políticas comerciais de Ocidente que excluem os países mais pobres de competir no mercado por causa dos subsidios que a UE concede aos seus produtos agrícolas.‭ ‬Além disso,‭ ‬as políticas comerciais injustas foram permitidas por uma estrutura política africana que seguiu as‭ “‬receitas‭” ‬impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial convertendo o Estado naquilo que o professor de Relações Internacionais,‭ ‬Mbuji Kabunda,‭ ‬chama‭ ‬de‭ “‬um produto importado,‭ ‬e imposto de‭ ‬cima‭”‬.‭ ‬O Estado asumiu as regras do mercado sem fazer reformas sociais,‭ ‬e o resultado foi o‭ ‬incremento da pobreza,‭ ‬da desigualdade e da corrupção.‭ ‬A política proteccionista europeia e americana que marginaliza a África Subsariana do mercado mundial,‭ ‬e a falta de protecção dos cidadãos por parte do Estado,‭ ‬empobreceu a população e impulsionou os movimentos migratórios,‭ ‬com todo o rosário de dor e sofrimento que se conhece.‭ ‬Acrescente-se ainda,‭ ‬o facto de alguns estados africanos serem governados por políticos que pensam mais nos seus interesses pessoais,‭ ‬do que no povo que era suposto eles servirem.‭ ‬Sem qualquer perspectiva a uma vida condigna,‭ ‬ao povo só lhe resta partir.‭ ‬E assim se vão alimentando as máfias que dominam as rotas marítimas de imigração,‭ ‬a partir das costas de África,‭ ‬e que prometem como destino a Europa e o sonho de uma vida melhor.‭ ‬Infelizmente,‭ para muitos, o sonho transformar-se-á em sofrimento e morte‬.‭ ‬De acordo com ‭ ‬um recente estudo‭ da ‬Asociação Marroquina de Comunicação sobre os naufrágios de‭ ‬2007,‭ ‬publicado na Internet,‭ ‬estima-se que o número de desaparecidos se situe entre‭ ‬2500‭ ‬e‭ ‬3500‭,‭ ‬podendo ainda ser maior. É a silenciosa realidade trágica do continente africano.‭ ‬Há que pôr termo a esta nova bárbarie, que‭ d‬esta feita, não tem o chicote do capataz negreiro,‭ pois ‬não é preciso, a mão invisível da pobreza faz o seu trabalho.‭

quarta-feira, 18 de julho de 2007

"Rétrécisseur": Estranho Fenómeno no Senegal



No Senegal, nos dias que correm, cumprimentar por aperto de mão pode representar perigo para a integridade física de uma das partes! Não se trata de uma questão de higiéne, ou o perigo de transmissão de qualquer doença contagiosa! O risco que se corre é o de ser acusado pela outra parte, de ser um "rétrécisseur", isto é, uma pessoa que por artes mágicas, ou feitiçaria, faz minguar ou mesmo desaparecer o sexo da pessoa cumprimentada! A acusação, que acontece acto contínuo ao aperto de mão, desencadeia uma reacção agressiva não só do cumprimentado, mas dos circunstantes, e tem conduzido ao linchamento de várias pessoas, nestas últimas semanas um pouco por todo o Senegal, como nos dá conta a imprensa local e internacional (link). A maior incidência contudo tem-se verificado em Dakar, Mbour e Touba. O fenómeno é comum a ambos os sexos. Em Touba, no princípio de Julho, Malal Sow de 55 anos, foi agredido até à morte, depois de ter sido acusado de "rétrécisseur"; o último caso, foi relatado por Allioune Diop no L'Observateur de sábado passado 14 de Julho e ter-se-á passado em Mbour a sul de Dakar. As queixas acumulam-se nos comissariados de polícia, e vários processos sobre estes acontecimentos, correm os seus trâmites nos tribunais senegaleses. Este fenómeno já tinha sido registado no país, em 1997 com um balanço de 8 mortes e 36 feridos só em Dakar. Pode-se dizer que o Senegal, vive hoje uma psicose colectiva! E isso dá-nos que pensar e a questionarmos o porquê deste comportamento; o que leva as pessoas a acreditaram em algo que de facto não aconteceu? E a resposta é óbvia: tal comportamento prende-se com os aspectos culturais, com crenças, e a persistência da mentalidade mágica, tão vincada nos nossos povos! A mentalidade mágica não é uma característica particular dos africanos! Ela é comum a todos os povos! No entanto, face ao fraco desenvolvimento educacional, à elevada iliteracia, ela está ainda muito presente no continente africano. Essa permanência da mentalidade mágica na nossa sociedade, que se caracteriza por condutas como os acima descritos, parece tornar evidente a coexistência de dois mundos contraditórios, que se organizam segundo princípios opostos: o mundo da racionalidade e da lei e o mundo pré-ético e pré-político, ou seja a modernidade face ao arcaísmo. Esta realidade sócio-cultural mereceu uma atenção particular de Amílcar Cabral, que tratou do tema na sua obra, "A Arma da Teoria". Cabral esteve sempre atento aos aspectos da tradição cultural dos povos guineense e caboverdeano, como nos lembra Ana Maria Cabral na comunicação que fez no Smithonian Institution em Washington em 1995 ; diz Ana Maria: "Ele encarava com lucidez os aspectos mais díspares da tradição caboverdeana ou guineense não se coibindo de combater as superstições, tabus e outras manifestações do género que identificava como consequências do subdesenvolvimento económico, da falta do domínio dos fenómenos da natureza e da interpretação mágica do real vivido". Mário de Andrade, amigo e companheiro de Cabral, profundo conhecedor da sua obra, disse a este propósito que, "Cabral percebia a essência da mentalidade mágica de que está impregnado o espírito africano e o carácter ambivalente das crenças. Pedagogo, animou constantemente uma reflexão militante sobre as influências culturais negativas ligadas a factores regressivos do passado (superstição, tabu, ritos e costumes) e sobre a harmoniosa integração dos valores tradicionais em função do progresso moderno". Estas duas citações revelam a importancia que um dos grandes pensadores africanos como foi A. Cabral dava a essas questões e da necessidade de alteração de mentalidades. As reflexões de Cabral são ainda actualíssimas! Terá de haver um esforço redobrado no combate destes aspectos negativos da nossa cultura! Para tal, o papel da escola, da educação, é fundamental! Só com mais educação, a mentalidade mágica poderá evoluír para a mentalidade empírica e daí para a mentalidade lógica ou científica, e então registar-se uma efectiva dinâmica de transformação e progresso, nas nossas sociedades. Uma aposta na educação, no sentido lato do termo, será sempre uma aposta ganhadora, no combate ao subdesenvolvimento, terreno propício à prevalência de influências culturais negativas! A mentalidade mágica, é uma fonte de obscurantismo, e por consequência um obstáculo ao progresso. Para ultrapassar esse obstáculo, como diz a professora de psicologia da Universidade de São Paulo, Paula Montero: "terá de haver uma racionalização da magia!"

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Guiné-Bissau Dispensa Lugar na CEDEAO?



Na habitual consulta aos orgãos de comunicação, nomeadamente a jornais electrónicos, encontrei na sexta-feira passada, uma notícia que me deixou perplexo. A notícia, da agência Lusa, datada de 5 de Julho e veículada de Bissau, referia-se a uma hipotética cedência pela Guiné-Bissau, de um lugar que lhe pertence em termos estatutários na Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental - CEDEAO, a favor do Senegal, a troco de dinheiro! Esta questão, foi levantada na Assembleia Nacional pelo deputado do PUSD, Basílio Vadú, que terá tido conhecimento do facto aquando da recente visita parlamentar à Nigéria. Os valores avançados pela notícia, são de 2 mil milhões de FCFA, cerca de 3 milhões de Euros, relativo a financiamento daquela organização de integração regional, para pagar salários em atraso, e 500 milhões de FCFA ( cerca de 750.00 Euros ) oferecidos pelo Senegal como recompensa. A imprensa senegalesa terá mesmo reportado o caso, referindo-se ao bónus de 500 milhões de FCFA, e concluindo que por este caminho a “Guiné-Bissau se estava a transformar numa província do Senegal”.
A notícia é pouco esclarecedora, porquanto não se compreende o financiamento da CEDEAO como sendo um pagamento pela cedência do lugar ao Senegal, a não ser que tenha sido o resultado de um “lobbie” senegalês para o desbloqueamento do mesmo.
De qualquer modo, trata-se de um assunto que deve merecer um esclarecimento cabal por parte do Governo! Ainda que o caso tenha ocorrido na anterior governação, compete às autoridades averiguar o que de facto se passou, e esclarecer a opinião pública. A imagem que esta notícia passa, é extremamente negativa para a Guiné-Bissau! Se de facto aconteceu, deve ter havido ponderosas razões para tal, e então, isso deve ser explicado para que não reste qualquer suspeição sobre o caso!
A Guiné-Bissau é membro fundador da CEDEAO, e ao longo destes 32 anos de existência da Comunidade, tem ocupado os lugares que lhe compete no seio da organização. E isso é extremamente importante, por permitir defender os nossos interesses e os nossos pontos de vista, fornecer informações úteis sobre o conjunto dos países que integram a comunidade, e sobre os principais dossiers e programas em curso, facilitando aos organismos nacionais o tratamento das matérias relativas às políticas de integração económica e de defesa e segurança, em curso na comunidade.
Para além deste aspecto funcional, a designação de quadros nacionais para ocuparem cargos em organismos internacionais, só traz vantagens ao país. Antes do mais porque aumenta o traquejo internacional desses quadros, o que é uma mais valia; e por outro lado, é uma forma de garantir um “alfobre” onde a nação poderá ir buscar competências para as tarefas da governaça e da governação, sempre que fôr necessário. E por último, mas não menos importante, um país como a Guiné-Bissau, onde a falta de emprego é gritante, onde as expectativas de emprego para os quadros se resume à função pública, e a um ou outro organismo internacional instalado no país, e onde não abundam lugares de recuo para aqueles que terminam funções governamentais e de nomeação, não pode perder a oportunidade de os colocar em instituições internacionais, sempre que se lhe oferece oportunidade para tal. Parece que não foi este o caso, e deve haver uma razão! Qual? Cabe a quem de direito responder!