quarta-feira, 18 de julho de 2007

"Rétrécisseur": Estranho Fenómeno no Senegal



No Senegal, nos dias que correm, cumprimentar por aperto de mão pode representar perigo para a integridade física de uma das partes! Não se trata de uma questão de higiéne, ou o perigo de transmissão de qualquer doença contagiosa! O risco que se corre é o de ser acusado pela outra parte, de ser um "rétrécisseur", isto é, uma pessoa que por artes mágicas, ou feitiçaria, faz minguar ou mesmo desaparecer o sexo da pessoa cumprimentada! A acusação, que acontece acto contínuo ao aperto de mão, desencadeia uma reacção agressiva não só do cumprimentado, mas dos circunstantes, e tem conduzido ao linchamento de várias pessoas, nestas últimas semanas um pouco por todo o Senegal, como nos dá conta a imprensa local e internacional (link). A maior incidência contudo tem-se verificado em Dakar, Mbour e Touba. O fenómeno é comum a ambos os sexos. Em Touba, no princípio de Julho, Malal Sow de 55 anos, foi agredido até à morte, depois de ter sido acusado de "rétrécisseur"; o último caso, foi relatado por Allioune Diop no L'Observateur de sábado passado 14 de Julho e ter-se-á passado em Mbour a sul de Dakar. As queixas acumulam-se nos comissariados de polícia, e vários processos sobre estes acontecimentos, correm os seus trâmites nos tribunais senegaleses. Este fenómeno já tinha sido registado no país, em 1997 com um balanço de 8 mortes e 36 feridos só em Dakar. Pode-se dizer que o Senegal, vive hoje uma psicose colectiva! E isso dá-nos que pensar e a questionarmos o porquê deste comportamento; o que leva as pessoas a acreditaram em algo que de facto não aconteceu? E a resposta é óbvia: tal comportamento prende-se com os aspectos culturais, com crenças, e a persistência da mentalidade mágica, tão vincada nos nossos povos! A mentalidade mágica não é uma característica particular dos africanos! Ela é comum a todos os povos! No entanto, face ao fraco desenvolvimento educacional, à elevada iliteracia, ela está ainda muito presente no continente africano. Essa permanência da mentalidade mágica na nossa sociedade, que se caracteriza por condutas como os acima descritos, parece tornar evidente a coexistência de dois mundos contraditórios, que se organizam segundo princípios opostos: o mundo da racionalidade e da lei e o mundo pré-ético e pré-político, ou seja a modernidade face ao arcaísmo. Esta realidade sócio-cultural mereceu uma atenção particular de Amílcar Cabral, que tratou do tema na sua obra, "A Arma da Teoria". Cabral esteve sempre atento aos aspectos da tradição cultural dos povos guineense e caboverdeano, como nos lembra Ana Maria Cabral na comunicação que fez no Smithonian Institution em Washington em 1995 ; diz Ana Maria: "Ele encarava com lucidez os aspectos mais díspares da tradição caboverdeana ou guineense não se coibindo de combater as superstições, tabus e outras manifestações do género que identificava como consequências do subdesenvolvimento económico, da falta do domínio dos fenómenos da natureza e da interpretação mágica do real vivido". Mário de Andrade, amigo e companheiro de Cabral, profundo conhecedor da sua obra, disse a este propósito que, "Cabral percebia a essência da mentalidade mágica de que está impregnado o espírito africano e o carácter ambivalente das crenças. Pedagogo, animou constantemente uma reflexão militante sobre as influências culturais negativas ligadas a factores regressivos do passado (superstição, tabu, ritos e costumes) e sobre a harmoniosa integração dos valores tradicionais em função do progresso moderno". Estas duas citações revelam a importancia que um dos grandes pensadores africanos como foi A. Cabral dava a essas questões e da necessidade de alteração de mentalidades. As reflexões de Cabral são ainda actualíssimas! Terá de haver um esforço redobrado no combate destes aspectos negativos da nossa cultura! Para tal, o papel da escola, da educação, é fundamental! Só com mais educação, a mentalidade mágica poderá evoluír para a mentalidade empírica e daí para a mentalidade lógica ou científica, e então registar-se uma efectiva dinâmica de transformação e progresso, nas nossas sociedades. Uma aposta na educação, no sentido lato do termo, será sempre uma aposta ganhadora, no combate ao subdesenvolvimento, terreno propício à prevalência de influências culturais negativas! A mentalidade mágica, é uma fonte de obscurantismo, e por consequência um obstáculo ao progresso. Para ultrapassar esse obstáculo, como diz a professora de psicologia da Universidade de São Paulo, Paula Montero: "terá de haver uma racionalização da magia!"