quarta-feira, 30 de maio de 2007

Maio mês de África



Estamos a chegar ao fim do mês de Maio, um mês que em Portugal, cada vez mais, é dedicado ao continente africano! As comemorações já não se limitam ao dia 25, dia de África, mas estendem-se por todo o mês, com uma diversificada programação de actividades culturais e lúdicas. Este ano, em particular, tem havido uma grande preocupação sobre questões ligadas ao desenvolvimento de África. Um pouco por todo o lado realizam-se conferências, palestras e seminários de temática africana, colocando a tónica sobre o futuro do continente. E há uma razão para tal acontecer! A África está na agenda mundial. Depois de tantas décadas esquecida, a comunidade internacional, parece ter sido despertada para a realidade africana. O que se passou, para este súbito interesse? Há várias razões! A África começa a dar sinais de alguma estabilidade, com diminuição de focos de conflito; o continente vem registando desde a viragem do século e do milénio, um crescimento que em média se situa acima dos 5% ( com países a atingirem crescimento a dois dígitos, como são os casos de Angola, da Mauritânia, ou da Guiné Equatorial ); a África está a tornar-se cada vez mais um importante fornecedor de matérias-primas entre as quais o petróleo, matéria-prima estratégica, e por esse motivo, está no centro de uma disputa pelo acesso às mesmas por parte das grandes potências; a entrada da China e da India no mercado africano, veio aumentar essa disputa; o fluxo migratório de África para a Europa tem sido uma realidade crescente nestes últimos anos, com todos os dramas humanos e problemas sociais que o mesmo vem suscitando. Por todas estas razões, a África parece começar a saír do limbo, como nos é revelado pelo número de programas de acção para África existente em quase todas as chancelarias europeias, americanas e asiáticas. Se não vejamos: temos a Comissão para África do Reino Unido, lançada por Toni Blair e Gordon Brown, a Estratégia para a África da Comissão Europeia, O Plano de Acção do G-8 para África, a Política para Africa da China, o Plano África da Espanha, para apenas citar alguns exemplos. O grande senão desses planos, é que são elaborados numa óptica do estrangeiro, isto é por aqueles que por vezes não têm uma visão completa da realidade africana. É por essa razão que se aguarda com expectativa a realização da próxima cimeira Europa-África que se realizará em Novembro em Lisboa durante a presidência portuguesa da U.E. pois em princípio, a estratégia que vier a ser adoptada será baseada numa visão comum da UE e da África sobre as 5 principais questões ou dossiers, a saber: 1. Visão partilhada; 2. Questões chaves sobre o desenvolvimento; 3. Integração comercial e regional; 4. Paz e Segurança; 5. Governação e direitos humanos.
Se a Europa quiser continuar a ter um papel determinante no processo de desenvolvimento africano, terá de alterar o que foi o seu paradigma de parceria com o continente. Isso foi reconhecido pelo comissário europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária Louis Michel, na conferência que deu em Berlim em 28 de Novembro de 2006 quando disse:
"A Africa encontrou o seu lugar no xadrês geopolítico. Esta constatação deve-nos conduzir a uma reflexão profunda: quais são as implicações para a relação Europa-Africa? Em que consiste esta nova relação? Qual é a diferença com a política africana que a Europa tem seguido até hoje?"
As respostas a estas interrogações serão conhecidas em Novembro! Vamos aguardar!

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Recordando José Carlos Schwarz



Foi há trinta anos! Naquela manhã de sol radiante do mês de Maio, encontrei-me com o José Carlos Schwarz no hall do hotel Altis em Lisboa. Trocámos as habituais saudações e ele informou-me que estava em trânsito para Havana e que partiria naquela noite ou no dia seguinte, já não me recordo. Dei-lhe um forte abraço e desejei-lhe boa-viagem! Mal poderia eu imaginar que seria a última vez que o veria. O avião da Aeroflot em que seguia para Cuba despenhar-se-ia na aproximação ao aeroporto internacional José Marti em Havana. Fiquei incrédulo quando soube da notícia! A Guiné-Bissau acabava de perder um combatente e um dos seus expoentes máximos no domínio músical, e nós um amigo.
José Carlos Schwarz é uma referência incontornável da música guineense! A faceta interventiva das suas composições, perspassa por toda a sua obra. Ele foi, sem sombra para dúvidas um cantor interventor! O legado deixado por José Carlos Schwarz, é uma referência para todos aqueles que não se conformam e continuam a lutar pela mudança e por um futuro melhor.
Os temas por ele composto e cantado, são de uma grande actualidade. A sua mensagem é ainda pertinente e actual.
O cantor e compositor, nunca deixou de abraçar causas e motivos que lhe pareciam justos, nem de lutar contra o conformismo e o espírito acrítico. As sua canções são fruto dessa luta diária, e dessa reflexão constante. A sua influência na tomada de consciência dos guineenses, da realidade politica e social que então se vivia é assinalável. José Carlos Schwarz foi, através da sua música, um mobilizador de consciências para a luta de libertação. Foi um nacionalista, no conceito mais puro do termo, de alguém que ama o país e as suas gentes, sem caír no chauvinismo primário. E isso está patente nas suas canções: nelas tratou temas nacionais na língua nacional, o crioulo, o que revela uma grande consciência nacionalista, não muito vulgar ao tempo.
A sua discografia é notável, não tanto pela pela sua extensão, pois a sua vida foi muito curta, extremamente curta, mas pela sua excepcional qualidade. José Carlos Schwarz deixou-nos temas inesquecíveis, de conteúdo e sonoridade únicas, que penetra no mais profundo do nosso ser, e nos comove e estimula. O que José Carlos nos deixou é música pura! Da crítica social, com "Apili" ou "Minino di Criaçon", ao incentivo à luta, com "Si bu sta diante na Luta", ou ainda com a canção de amor "I son Sodade", não esquecendo o lamento do "Quê qui minino na Tchora", por todos estes temas, perspassa a qualidade artística do compositor e do cantor, e do homem atento à realidade envolvente, que faz dele um cantor comprometido, pois, como dizia Zeca Afonso, "a música é comprometida quando o músico é um homem comprometido! Não é o produto saído desse cantor que define o compromisso, mas o conjunto de circunstâncias que o envolve com o momento histórico e político que se vive e as pessoas com quem ele priva e com quem ele canta". Zé Carlos soube interpretar essas circunstâncias, e soube transmiti-las na sua voz inconfundível, através das suas canções, a todos nós!
Obrigado José Carlos!

quarta-feira, 9 de maio de 2007

África: Boa Evolução do PIB, Poucos Efeitos Sobre a Pobreza



No passado dia 13 de Abril o Fundo Monetário Internacional, divulgou o relatório sobre as Perspectivas Económicas Regionais para a Africa Subsariana, que faz o balanço da evolução da economia africana a sul do Sara em 2006 e as perspectivas para 2007. O relatório, revela que a África Subsariana vai no terceiro ano consecutivo de crescimento acima dos 5%, e em seis anos de crescimento acima dos 4%, e com uma previsão para o corrente ano entre 6 e 7%. O petróleo continua a ser o principal responsável por esta evolução. Entre os 44 países da região existem grandes diferenças na evolução das suas economias. Por exemplo, enquanto Angola teve um crescimento de 15,3% em 2006, o Zimbabué registou uma taxa negativa de -4,8%, e as perspectivas para 2007 serão de 35,3% para Angola e de -5,7% para o Zimbabué. A zona da UEMOA que integra oito países da Africa Ocidental, ficou abaixo da média da Africa Subsariana, com um crescimento médio de 3,6%. Dentro da UEMOA a Guiné-Bissau registou um crescimento inferior à média da União, com apenas 2,7%, ou seja cerca de metade da média da Africa Subsariana. Deste modo, a Guiné-Bissau registou em 2006 uma evolução negativa do PIB per capita de -0,3%. Contudo as projecções para 2007, dão pela primeira vez desde a guerra civil, um crescimento do PIB per capita de 2%. No conjunto da região subsariana a "performance" é satisfatória, e as perspectivas encorajadoras. Isso deve-se a uma melhoria na gestão macroeconómica, com estabilidade orçamental e baixa inflação, o perdão da dívida, a entrada no mercado da China e India e a alta dos preços das matérias-primas. Apesar disso, não se tem registado o recuo da pobreza! Qual a razão da sua persistência? A resposta de alguns economistas das N. Unidas e das organizações de Bretton Woods, é que o crescimento apesar de elevado, ainda não ser suficientemente vigoroso para fazer recuar a pobreza, apontando para uma taxa "mágica" de 7% como sendo aquela que teria um real impacto no combate à pobreza no continente. A ser assim, ( ainda está para ser provado ) a África Subsariana atingirá este ano o limiar dessa "taxa mágica" dos 7%, e consequentemente pela primeira vez em décadas, se registará a estagnação da pobreza com o seu posterior recuo. Pensamos contudo, que para a obtenção de um crescimento mais vigoroso, que permita o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, a Africa ao sul do Sara, precisará de:
1. Diversificar a sua economia, e torná-la menos dependente das actividades extractivas, como o petróleo, os diamantes, o cobre, ou a bauxite;
2. Levar a cabo políticas demográficas, para reduzir os efeitos negativos que um rápido crescimento tem sobre o crescimento e o desenvolvimento económico. Mais de 40% do crescimento económico na Africa Subsariana, é absorvida pela taxa de de crescimento populacional ( 2,7% em 6,2% em 2006 ), o que conduz a que o crescimento do PIB per capita seja de apenas 2,3% para os países não produtores de petróleo. A esta taxa serão necessários 30 anos para duplicar um PIB extremamente baixo;
3. Elaborar e implementar melhores políticas redistributivas, investindo em áreas sociais ( saúde e educação ), e na criação de emprego;
4. Manter a estabilidade económica e política, de molde a criar um bom ambiente de negócios para o investimento nacional e estrangeiro. É impriscindível que se coarctem os riscos de instabilidade política e de conflitos, que pairam sobre alguns países africanos;
5. Apostar fortemente no desenvolvimento rural, que é um catalizador, do desenvolvimento económico, pois em ligação com os outros sectores, é um gerador considerável de emprego, de rendimento e de crescimento económico. A história revela-nos que muito poucos países registaram um rápido crescimento económico sem o desenvolvimento do sector agrícola. Quem diz sector agrícola diz, toda a activividade a juzante dele nomeadamente a agro-indústria. Por isso a agricultura deve estar na linha da frente das agendas nacionais, para a erradicação da pobreza.
Em resumo, a África Subsariana, precisa de dar o salto qualitativo no seu processo de desenvolvimento, libertando-se da dependência quase exclusiva do petróleo e outros recursos naturais, com todas as suas armadilhas e maldições.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

No País do Cajú



Entrámos no mês de Maio, e com ele uma época muito especial para a Guiné-Bissau! Por esta altura pelas terras guineenses, regista-se uma azáfama inusitada, pois é o tempo da colheita do cajú, mais conhecida por campanha do cajú, a mais importante produção nacional. O país fervilha de actividade, sente-se no ar uma agitação salutar, uma dinâmica comercial sem paralelo. Por todo o lado se assiste a um vai-vem de camiões, carrinhas, e tractores, transportando até aos mais recônditos lugares, materiais para a campanha: vazilhames para o vinho de cajú, sacos de juta para o acondicionamento da castanha, o arroz para a troca ou permuta, e outros víveres para o abastecimento dos postos de comercialização. De retorno, carregam-se as primeiras castanhas com destino aos armazéns da capital onde aguardarão o embarque par um qualquer porto da India.
Dizem-me que as expectativas para a campanha deste ano são boas! Os cajuais estão lindos, carregados e livres de moléstias. Há já algum tempo, que se vêm sob frondosos cajueiros toda a parafernália utilizada para a actividade cajueira: os bidões, os baldes a “canoa” de espremer e os os oleados ou serapilheiras para a secagem da castanha! A actividade é intensa! Trabalha-se e canta-se! Ouvem-se risos alegres e galhofas de crianças, e o chilrear das aves felizes pelo banquete oferecido pelos frutos maduros. Paira no ar o odôr adocicado de cajú maduro e de mosto fermentado! É a festa da abundância! Como seria bom, que este frenesim de actividade se prolongasse pelo ano todo! Agora com o cajú, depois com a plantação do arroz e sementeira da mancarra, seguido das respectivas colheitas em Novembro, Dezembro e Janeiro. Seriam novas campanhas, e novas abundâncias para o bem do povo e da economia guineense.
É preciso encontrar uma solução para o aproveitamento integral, das nossas enormes potencialidades no domínio da produção agrícola e nomeadamente orizícola! As “bolanhas” que outrora produziam arroz para satisfazer toda a procura interna, e para exportação, estão hoje abandonadas! É algo de incompreensível e confrangedor! Tanto mais que o arroz constitui a base de alimentação do guineense. Não faz qualquer sentido, que havendo potencial produtivo de arroz no país, as nossas populações continuem dependendo das importações ou da ajuda alimentar internacional. Há que inverter este estado de coisas! É um imperativo nacional! Não me venham com argumentos falaciosos como falta de vantagens comparativas na produção orizícola! Se se acabasse com os subsídios à produção e à exportação nos países mais ricos, a conversa seria outra, e a competição seria mais justa. Como isso ainda não aconteceu, teremos de levar a cabo uma política de soberania alimentar, num quadro de cooperação regional, com vista a garantir que:“o direito dos povos de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, com base na pequena e média produção, respeitando as próprias culturas e a diversidade dos modos de produção agropecuária, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais as mulheres desempenham um papel fundamental.” se materialize, como foi definido na declaração de Havana e de Niéléni, do Foro Mundial sobre a Soberania Alimentar.
“Garantir Alimentação para Todos” deveria constituír uma prioridade na política económica guineense, o que pressupõe uma maior atenção ao sector agro-pecuário do país.
Termino desejando uma boa campanha a todos os produtores e operadores!
A Guiné precisa, a Guiné merece!