segunda-feira, 11 de julho de 2011

A Propósito de "Nha Bijagó - Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense" de A. J. Estácio



PREFÁCIO

Mais um trabalho que António Júlio Estácio dá à estampa, tendo como objecto uma figura marcante da sociedade guineense, desta feita “Nha Bijagó”, nome pelo qual ficou conhecida Leopoldina Ferreira. Quem foi esta senhora e o que fez ela para merecer figurar em obra impressa? Isso é o que o leitor irá descobrir ao longo de mais de centena e meia de páginas deste livro que o autor intitulou “Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959). A própria escolha do título já é em si reveladora da razão que motivou António Júlio Estácio a biografá-la! Nha Bijagó foi de facto, uma respeitada personalidade do seu tempo socialmente bastante influente e uma verdadeira matriarca. Abastada, mas sóbria, mulher de rígidos princípios éticos, foi de certo modo, um modelo para os seus concidadãos.
Ao ler este livro não podemos deixar de pensar nas grandes figuras femininas, que foram as “sinharas” e que tanta influência tiveram na costa ocidental africana, em particular nos Rios da Guiné, entre o século XVI e finais do século XIX. Essas mulheres que eram na sua maioria crioulas, geriam com enorme maestria os negócios dos seus maridos europeus ou eurodescendentes, resolvendo conflitos, realizando pactos com as autoridades locais, de modo a que as actividades comerciais decorressem sem delongas e fossem coroadas de êxito. A sua condição de crioula, dava à “sinhara” uma capacidade negocial ímpar, pois sendo detentora de uma dupla identidade cultural, era com facilidade que fazia a ponte entre as populações locais e os alógenos, nomeadamente os europeus. Ficaram famosas na Guiné algumas dessas “sinharas”, como a Bibiana Vaz, a Aurélia Correia conhecida por “mamé Aurélia”, a Júlia Silva Cardoso também conhecida como “mamé Júlia” e a Rosa Carvalho Alvarenga, mãe de Honório Pereira Barreto, entre muitas outras. Leopoldina Ferreira, vulgo “Nha Bijagó”, é em meu entender uma das últimas grandes “sinharas” da Guiné, pois o seu perfil enquadra-se na perfeição no papel desempenhado por essas influentes mulheres africanas, referenciadas por diversos autores como foi o caso de André Álvares d’Almada na sua obra “Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde” de 1594 ou de George E. Brooks com “Eurafricans in Western Africa” publicado em 2004 ou ainda Philip J. Havik com “Trade in the Guinea-Bissau Region: the role of african and luso-african women in the trade networks from early 16th to the mid 19th century” publicado em 1994, para apenas citar alguns.
“Nha Bijagó” – Respeitada Personalidade da Sociedade Guineense (1871-1959), é o resultado de um longo trabalho de pesquisa que António Júlio Estácio desenvolveu ao longo de vários anos, com uma enorme dedicação e até paixão, mas sempre com rigor e respeito pela verdade dos factos, a que já nos habituou. Compulsou milhares de documentos, não apenas relacionadas com Leopoldina Ferreira, mas também relativos aos principais acontecimentos que tiveram lugar no período coevo da biografada. Registou dezenas de depoimentos e deslocou-se propositadamente à Guiné-Bissau, para “in loco” recolher mais informações, de modo a poder complementar, confirmar ou infirmar os elementos já recolhidos. E o resultado de todo esse esforço, é este livro!
Não estamos perante uma biografia no sentido clássico do termo, isto é, um género literário em que o autor narra a história da vida de uma pessoa ou de várias pessoas de forma mais ou menos objectiva, e muitas vezes romanceada. António Júlio Estácio, preferiu manter-se “neutro” interferindo o mínimo possível na narrativa dos depoentes, limitando-se a clarificar aqui e acolá alguns aspectos contraditórios ou menos precisos e desse modo fornecer ao leitor um retrato tão fiel quanto possível dessa grande senhora que foi a “Nha Bijagó” feito através dos testemunhos daqueles que a conheceram e que com ela privaram, e ainda de documentos oficiais que atestam aspectos relevantes da sua vida.
Um aspecto particularmente interessante nesta obra de A. J. Estácio, é a ligação cronológica que o mesmo faz, entre importantes acontecimentos políticos, administrativos e militares, que tiveram lugar na então Guiné Portuguesa, e as diversas fases etárias da biografada, ainda que esses factos não tenham qualquer ligação directa com a personagem tratada neste livro! O autor quis desse modo, dar-nos a conhecer alguns factos da história da então colónia/província da Guiné, que tiveram lugar entre 1870 e 1959, período que abarca a vida de Nha Bijagó. Por esse motivo, este trabalho biográfico, para além de nos dar a conhecer a vida de uma grande mulher guineense que foi a Nha Bijagó, fornece-nos importantes informações do mundo em que ela viveu! Através dos diversos depoimentos sobre a Nha Bijagó recolhidos pelo autor, ficamos a conhecer não apenas os aspectos essenciais da sua vida, mas também um pouco da vida social na então colónia da Guiné e muito particularmente em Bissau, na primeira metade do século XX.
Com esta publicação, António Júlio Estácio, revela-nos mais uma vez, o seu grande apego e dedicação às coisas e às gentes da terra que o viu nascer!