quarta-feira, 27 de junho de 2007

A Ética e a Pesquisa Farmacêutica



Uma das indústrias mais lucrativas do mundo é a indústria farmacêutica! Graças a essa enorme rentabilidade, os grandes laboratórios multinacionais, investem cada vez mais em pesquisa, com vista a obterem novos medicamentos. De acordo com um artigo publicado na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique de Maio passado, com o título "Medicamentos do Norte testados nos pobres do Sul" extraído do livro de Sonia Shah "The Body Hunters" a indústria multinacional farmacêutica gasta mais de 40 mil milhões de dólares por ano para desenvolver novos medicamentos. Para isso, mobiliza um crescente número de cientistas, dos mais experientes do mundo, e utiliza a mais sofisticada tecnologia médica. Com tal volume de investimento poderia esperar-se um aumento do número de medicamentos de impacto dirigidos para os flagelados da humanidade. Mas não! Apesar desses grandes laboratórios terem sucursais em países subdesenvolvidos da África, Ásia ou América Latina, os seus objectivos primeiros é a de realizarem ensaios clínicos de medicamentos destinados aos mercados dos países ricos, os mais rentáveis. Para acelerarem a aprovação desses medicamentos ultra-lucrativos, pelas entidades oficiais, as grandes firmas farmacêuticas recorrem cada vez mais a cobaias humanas dos países pobres onde, com esse propósito, se instalam. Milhões de pessoas submetem-se, por engano ou a troco de migalhas, a testes sem supervisão e sem obediência a padrões de ética e de boas práticas como as previstas na Declaração de Helsínquia. Os efeitos na saúde das pessoas submetidas aos testes não são divulgados, mas sempre se vai sabendo de casos de doenças, de invalidez e até de mortes provocadas por essas experimentações. Um desses casos, é o que opõe o governo nigeriano ao laboratório Pfizer. A queixa que foi apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça da Nigéria, acusa aquele laboratório americano, de ter realizado em 1996, a pretexto de uma acção humanitária aquando de uma epidemia de meningite e rubéola no estado de Kano, testes do medicamento Trovan, sem obter as respectivas autorizações das autoridades nigerianas. A queixa indica que entre as 200 crianças que tomaram o medicamento em fase de ensaio, muitas sofreram afecções, como surdez, paralisia, perturbações da fala, lesões cerebrais e cegueira. Onze crianças terão mesmo falecido, segundo o procurador da República. No âmbito do processo, cujo julgamento deveria ter início ontem, 26 de Junho, mas que foi novamente adiado para 4 de Julho, a Nigéria exige uma indemnização de 7 mil milhões de dólares à gigante farmacêutica americana a título de reparação. O dinheiro, não comprará as vidas perdidas, nem os danos físicos e morais das crianças que foram sujeitas aos referidos testes, mas se o caso fôr bem sancionado, poderá servir de lição, desencorajando práticas semelhantes no futuro! Não se trata de condenar indiscriminadamente toda a indústria farmacêutica, mas denunciar aquelas empresas que, onde encontram brechas ou debilidades institucionais, como é o caso de muitos países africanos, agem fora da lei maior, a lei da vida. Há muitas empresas do sector que pautam a sua actuação pelo estricto respeito pela dignidade humana e pelo código deontológico, nas suas pesquisas. Não podemos contudo, fechar os olhos, para aquelas que agem ao arrepio dessas normas éticas.
A vida em sociedade pressupõe ética, ou seja, valores, princípios, limites, respeito pela pessoa humana, e sentido do bem comum. O capitalismo selvagem, a busca desenfreada do lucro, ou o lucro a todo custo, leva muitas empresas a não se aterem nem à sua responsabilidade social nem à obediência aos valores éticos! Este caso, que opõe a Nigéria à maior empresa farmacêutica do mundo, é apenas um exemplo! Um triste e preocupante exemplo!